sexta-feira, 25 de novembro de 2016
quarta-feira, 9 de novembro de 2016
QUEBRANDO O GESSO
O movimento Ocupa UESB e o
combate a democracia representativa
por José Barata
os posicionamentos deste texto são de responsabilidade do autor
os posicionamentos deste texto são de responsabilidade do autor
Os
movimentos nacionais de ocupações em escolas, universidades e institutos
federais[1] chegaram
à Vitória da Conquista com toda sua dinamicidade. Na UESB ele cresceu
rapidamente, vindo de baixo, e caminhou para o choque inevitável contra as
instituições burocráticas do Estado que estão imediatamente próximas ao
movimento da base. Não me refiro à polícia ou ao poder judiciário, mas às próprias
instâncias de representação oficiais, o sindicato dos estudantes
universitários: o Diretório Central dos Estudantes (DCE).
Menos de
uma semana após o início da ocupação, o DCE já havia sido deixado para trás. A reviravolta
ocorreu após uma manobra de cúpula do Levante Popular da Juventude - uma
organização de petistas enrustidos - onde tentou instituir representantes
jurídicos do movimento sem o aval prévio de uma assembleia. Tais dirigentes
foram denunciados, confrontados e deslegitimados. Deram vexame, para o delírio
das oposições que disputam o diretório. A mesa virou e o controle do movimento
passou das mãos do DCE para a Assembleia.
Nos
momentos seguintes, a tentativa de reconciliação foi impossível. Os caciques do
Levante passaram a se queixar do filho que largou a barra de sua saia. Diziam
querer apenas ajudar, de boa vontade, como um bom político faz. Depois se
demonstraram comovidamente preocupados com os rachas do movimento, como se não
fosse saudável rachar com um cão de guarda do PT. Em seguida, passou a culpar
os "esquerdistas”, com seus delírios "anarcocapitalistas" de
questionar as instituições divinas do Estado.
Por fim,
chegaram ao ponto de descumprir uma deliberação da Assembleia. Colaboraram com
aqueles que estão abertamente difamando a ocupação. Sem coragem de assumir a
responsabilidade de uma decisão política que fizeram, alegam apenas estarem
cumprindo o seu dever de seguir um estatuto. Um protocolo banal. Ao buscar
fundamento para o que fizeram, não se baseiam na necessidade real do movimento,
mas na adoração jurídica de instituições abstratas. Citam o estudo do DCE para
provar que estão certos, tal como os senhores de escravo citavam a lei para
legitimar a escravidão:
Art. 13.
Compõe o DCE por ordem decrescente de poder deliberativo as instâncias:
a) O Congresso
de Estudantes da UESB;
b) O
Conselho de Entidades de Base multicampi;
c) O
Conselho das gestões do DCE de cada campus;
d) A
Assembleia Geral de Estudantes do campus;
e) O
Conselho de Entidades de Base (CEB) do campus;
f) A
reunião da Diretoria do DCE de cada campus.
Tal como aparece no estatuto, defendem que a instância
superior do movimento é o Congresso de estudantes da UESB. Sequer se questionam
como um congresso desses funciona e os obstáculos burocráticos para ser posto
em prática. Em uma conjuntura onde o Estado consegue controlar as tensões
sociais, é evidente que um congresso se realiza sempre em um clima de calmaria,
quando os movimentos de massa estão adormecidos. Neste caso, a eleição de
delegados pode ser facilmente controlada por organizações de políticos
profissionais, pois as massas estão majoritariamente esmagadas pelo cotidiano
frenético da sociedade capitalista. Sem muitos problemas, partidos políticos
formam seus currais eleitorais, sempre em clima de carnaval, recrutando votos
na base da amizade e do clientelismo.
Alguns anos atrás, esta situação ridícula foi
denunciada em vídeo que viralizou no YouTube (Que porra é essa?). É muito comum nestes
congressos que a maior parte da delegação não participe dos espaços de debate. Muitos
comparecem apenas pelo turismo. Muitas vezes, um congresso esvaziado pode
surpreender lotando uma plenária final, repleta de pessoas que foram ali apenas
para votar no seu "time de futebol". Muitas vezes votam em bloco, com
posições já acertadas em reuniões de cúpulas. Neste clima, todo discernimento é
posto de lado. Os grupos com maiores recursos financeiros e aparatos
burocráticos conseguem levar mais delegados. Freqüentemente ganham quase todas
as votações. Tal como nas eleições gerais, as campanhas mais caras geralmente
ganham os pleitos.
O
estatuto do DCE da UESB também foi aprovado em condições semelhantes. Os
membros do DCE recorrem ao estatuto pois ele foi elaborado sob a liderança de
burocratas como eles. Representam muito mais os interesses desta casta do que
os interesses reais do conjunto dos estudantes. Preferem se apegar na letra
morta do que no movimento vivo. Buscam engessá-lo em suas normas. Adestrá-lo
através de artigos rígidos, enquanto o movimento clama por uma dinâmica própria
e flexível, possível de ser ajustada a cada momento. Justamente quando o
movimento dá um salto de qualidade e ganha força, os dirigentes o condenam.
Ridicularizam
os indivíduos mais antigos por fazerem questão de relembrar a história do
movimento estudantil, prevenindo os mais novos dos "chefes" que
buscam tomar o movimento para si. Dizem se tratar de antigas picuinhas, para
descaracterizar qualquer divergência política séria. Raramente enfrentam um
debate político, pois isso insistem em levar para lado pessoal. Porém, se
colocam enquanto uma esquerda avançada e sensata. Dizem lutar pela unidade do
movimento a qualquer custo, enquanto fazem campanha eleitoral para os
governantes do Estado burguês. Enquanto o movimento lançava uma nota de repúdio
contra José Raimundo (PT), os membros do Levante estampavam o 13 em seus perfis
do Facebook. Apareciam em fotos com o candidato repudiado.
Logo,
questionar as instituições dominantes do Estado, tal como o DCE e os
sindicatos, é a primeira coisa que qualquer movimento de massas precisa fazer. Não
é sinal de fragilidade, mas de seu avanço. É um verdadeiro salto de qualidade.
O primeiro obstáculo para afrontar a ordem dominante. Para combater as
estruturas engessadas do DCE, precisam fortalecer as Assembleias, um órgão de
participação direta e autônomo, sem intermediários. Isso o colocará em
confronto direto contra um inimigo muito mais poderoso: o capital e seu Estado.
Para vencê-los, é necessário encarar a seguinte situação: a gênese de toda dominação
em nossa sociedade é a luta de classes, caso deseje combatê-la, precisa tomar
parte no conflito essencial entre o capital e o trabalho.
[1] Para comentários mais gerais
sobre o movimento nacional de ocupações, vale a pena ler a nota publicada pelo
Faísca em 27 de Outubro deste ano, “Ocupações dos estudantes”. Acesse o blog: <http://jornalfaisca.blogspot.com.br/2016/10/ocupacoes-dos-estudantes.html>.
quinta-feira, 27 de outubro de 2016
OCUPAÇÕES DOS ESTUDANTES:
A LUTA DOS ESTUDANTES É A LUTA DE TODOS OS TRABALHADORES
(Baixe esta nota em PDF clicando aqui)
A experiência das ocupações das escolas no primeiro semestre desse ano no Estado de São Paulo, que alcançou êxito parcial em barrar as tentativas de precarização do ensino médio, reaparece agora em escala nacional! Após o início das ocupações no estado do Paraná, o movimento ganhou força e já são mais de 1000 unidades educacionais ocupadas (escolas e universidades) espalhadas pelo país. Esse movimento deve ser apoiado e incentivado, já que suas bandeiras de luta vão muito além das especificidades da luta estudantil. Trata-se de uma luta por melhores condições de vida para o conjunto dos explorados e suas famílias, pois sua pauta principal é contra a proposta governamental da PEC 241, que atinge diretamente todo o proletariado com o corte e congelamento das verbas destinadas especialmente às camadas que compõem a maioria absoluta dos trabalhadores assalariados, dentre elas os estudantes. É preciso ter em mente que as medidas adotadas pelo atual governo seguem a mesma linha das iniciadas no governo Dilma - que na tentativa de administrar a crise do capitalismo já cortava as verbas públicas. Essa dinâmica agora está sendo aprofundada pelo governo atual nos seus diversos níveis, federal, estadual e municipal.
A explosão de descontentamento e a revolta dos estudantes e assalariados no Brasil e no mundo (a exemplo da França, Espanha, Grécia, EUA, Inglaterra, Turquia, Norte da África [Tunísia, Egito etc.]) não é um fenômeno isolado ou particular, mas que tem suas raízes na crise mundial do capitalismo. O ataque aos direitos trabalhistas e às condições de vida dos mesmos são produzidos pela incapacidade do capital em gerir seu sistema, de modo que a tentativa de precarizar o sistema educativo é uma prática que ataca as condições de vida das jovens gerações proletárias a nível mundial, basta ver os exemplos como: a França na primavera de 2006 (contra o Contrato do Primeiro Emprego - CPE) e no ano de 2007 contra a nova legislação universitária (LRU); as lutas contra cortes na educação na Inglaterra em 2010; no Canadá em 2012; e no Chile nos últimos 10 anos. Deste modo, vê-se que a contestação estudantil se insere num movimento internacional que se opõe à precarização da educação. Diante destas reações, o conjunto da burguesia destes países tem percebido o risco de contágio das explosões sociais.
A reforma do sistema educativo que tem se empreendido em escala internacional é o modo que a burguesia, em plena crise do capital, possui para administrar a prevalência dos seus interesses sobre a sociedade, colocando nos horizontes dos filhos e filhas da classe trabalhadora um futuro dirigido à generalização do desemprego e da precariedade de vida. Assim, o rechaço e a revolta das novas gerações de proletários estudantes geram igualmente, em todas as partes, a simpatia dos demais trabalhadores de todas as gerações. Lutam contra a decomposição do tecido social, contra o individualismo imposto pelo sistema capitalista, contra o isolamento social, contra a concorrência de todos contra todos!
Dentro do horizonte estabelecido no debate sobre a reforma fica patente a sua atribuição ao governo Temer, colocando a luta dos estudantes dentro da disputa burguesa pelo poder do Estado, ou seja, como uma luta pelo “Fora Temer”. No entanto, a proposta de reforma já vinha sendo trabalhada também pelo PT, basta ver o Projeto de Lei 6.840/2013 que tramitava no Congresso desde 2013. A própria Dilma tinha como política de governo a necessidade de se estabelecer uma reforma do gênero.
A experiência internacional evidencia que não importa quem esteja administrando o Estado capitalista, seja de esquerda ou de direita, diante da crise e das imposições do capital suas “soluções” são sempre as medidas de austeridade e cortes nos serviços sociais. Não há ilusões em relação à direita em quanto a isso, mas é preciso mostrar que a esquerda não é muito diferente em suas soluções nesses contextos. Como alguns exemplos temos: 1) no Chile, a reforma educacional de Bachelet (Partido Socialista); 2) na Grécia o partido Syriza, depois de chegar ao poder por meio de um discurso de que faria uma “mudança radical” para superar a crise, fez exatamente o contrário e impôs mais austeridade à vida dos trabalhadores; 3) na França é a esquerda de François Hollande (Partido Socialista) que está realizando a reforma trabalhista que piora ainda mais as condições de trabalho. Claro que esses partidos são socialistas apenas nos nomes, já que suas práticas atendem aos interesses da burguesia.
Outra ilusão propagada por setores dos movimentos ligados a “esquerda do capital” é a reclamação de uma aplicação “antidemocrática” e “sem diálogo” da Reforma Educacional. Todavia, isso apenas reforça um apelo às vias democrático-estatais e esconde o problema de que, na prática, qualquer reforma do gênero significa a precarização das condições de vida dos trabalhadores. O objetivo destas reformas é manter ou aumentar a produtividade das empresas mesmo em tempos de crise, por meio de trabalhadores adestrados aos interesses do capital desde as escolas.
Vale ressaltar que a reforma tem como objetivo criar uma força de trabalho que possa atender os interesses da burguesia, utilizando-se do processo de formação educacional para desenvolver as habilidades que necessitam as empresas. Com a Reforma Educacional as técnicas organizacionais e disciplinares farão parte dos processos educativos, seja para os estudantes como para os professores e demais trabalhadores envolvidos neste processo. Além disso, sem dúvidas haverá uma expansão do mercado educacional atendendo as demandas econômicas do mercado. Isso significa a construção de uma política de trabalho que engaje integralmente o trabalhador não só na sua jornada de trabalho, mas que ocupe todas as outras dimensões de sua vida começando já na sua preparação escolar.
Fica claro que se esses ataques do Estado forem concretizados por conta da passividade ou mesmo pela resistência limitada aos estudantes, certamente abrirão espaço para promoção permanente de reformas, seja no âmbito da previdência com a elevação da idade para o acesso a aposentadoria, ou na esfera dos direitos trabalhistas, com a flexibilização ainda maior dos direitos dos trabalhadores.
O RECHAÇO ÀS ARMADILHAS BURGUESAS
A presente mobilização dos estudantes deve rechaçar por completo seu enquadramento como luta de resistência contra o governo atual e o seu parlamento afundado na corrupção. Caso o movimento siga o “Fora Temer”, vai cair no terreno de disputa burguesa para escolha do gestor do Estado, cuja tarefa do momento não é outra senão efetivar medidas de austeridade para enfrentar a crise econômica. Cair nessa armadilha é escolher o governo “legítimo” para atacar as condições de vida dos trabalhadores.
Situar o problema da crise do capital na gestão do Estado por Partido A ou B é um erro. Tais manobras tem como objetivo impedir uma possível radicalização dos movimentos e a sua extensão ao conjunto do proletariado. É necessário colocar em questão a própria legitimidade das instâncias burguesas e, ao mesmo tempo, levantar a perspectiva de uma transformação do modo de produção capitalista, pela supressão de todas as formas de exploração.
Todo mecanismo que pretenda dividir o movimento, ou mesmo que o encaminhem para seu isolamento, deve ser reconhecido pelo movimento como um obstáculo ao seu desenvolvimento. Os manifestantes precisam perceber que a sua força está, sobretudo, na unidade e na capacidade de que o movimento se espalhe para outros setores do proletariado. Para o Estado e a burguesia, as ocupações pouco ou quase nada incomodam se cada escola permanecer fechada a suas reivindicações. A potência deste movimento está justamente na formulação de pautas que unificam os interesses dos estudantes e trabalhadores de todas as partes do país. É preciso somar forças conscientemente contra um inimigo em comum. Para isso, podem realizar assembleias conjuntas que discutam coletivamente as diretrizes de um movimento mais amplo.
ASSEMBLEIAS
O primeiro passo para aprender e atuar conjuntamente é construir seus próprios mecanismos, rechaçando quaisquer fórmulas prontas e presas ao burocratismo. É preciso unir os manifestantes e impulsionar a luta por meio de mecanismos autônomos e independentes, no qual seja possível debater e refletir coletivamente a tomada de decisões. Em outras palavras, é preciso fugir do modelo de assembleias sindicais, nas quais os debates existem apenas para expressar posições já acabadas, em que as propostas já vêm prontas, suprimindo-se o debate e a reflexão conjunta. Por isso, as assembleias gerais são fundamentais no processo de ocupação. São elas que podem definir as orientações da luta, permitem o desenvolvimento do debate e da solidariedade entre os manifestantes.
Nas assembleias gerais a mesa deve ser nomeada pelos próprios participantes, a pauta deve ser eleita por estes. Não devem jamais delegar sua estrutura e funcionamento para uma cúpula. As decisões sobre o rumo do movimento devem ser tomadas apenas nas assembleias. É aqui que reside a principal diferença das assembleias dos sindicatos, pois estas apenas ratificam as decisões tomadas a portas fechadas. Por outro lado, nas assembleias realmente vivas, os trabalhadores e estudantes discutem e constroem suas decisões coletivamente com todos aqueles que participam do movimento. Controlam suas comissões e revogando-as quando não cumprem com o estipulado pela assembleia. As assembleias devem ser o pulmão do movimento e não o apêndice de cúpulas. Se o movimento permitir que as ocupações sejam dirigidas por intermediários, além de correr o risco do adestramento, nunca aprenderá a conduzir suas próprias lutas, logo não dará nenhum salto de qualidade.
A NECESSIDADE DE EXTENSÃO DA LUTA
As ocupações constituem, sem dúvida alguma, um movimento legítimo de contestação das condições de vida submetidas pelo capitalismo. Elas tendem a se agravar nos períodos de crise. Todavia, para que tenha êxito na resistência, necessitam ultrapassar as fronteiras de categorias e transformar-se em um movimento unitário de todo o proletariado. Ocupar as ruas, cidades e praças, estendendo a solidariedade aos trabalhadores dos mais variados setores da economia para, a partir daí, conquistar a adesão do conjunto dos explorados. Para isso é necessário compreender a luta além de uma reivindicação estudantil. Deve estar evidente que os cortes na educação, na saúde e nos demais serviços sociais atingem diretamente a todos à medida que aumentam ainda mais as dificuldades existentes para o acesso à educação, saúde e assistência social e todas as necessidades na luta pela sobrevivência.
Na medida em que sejamos capazes de integrar os outros trabalhadores em um mesmo combate, o proletariado tomará consciência de sua força, ganhando confiança no seu embate de classe. Ou seja, é a confiança e a unidade que poderá fazer com que as ocupações das escolas se disseminem pelos locais de trabalho, que mobilizem os trabalhadores e que faça o Estado retroceder na sua tentativa de impor piores condições de vida aos estudantes e trabalhadores.
É preciso tirar plenamente as lições das experiências históricas do movimento proletário. Devemos nos armar contra os artifícios burgueses que constantemente sabotam a extensão da solidariedade ao proletariado. Nós, trabalhadores e militantes da classe operária internacional, chamamos a todos os trabalhadores a se mobilizar imediatamente para defender o futuro de nossos filhos ameaçados pela miséria e, a lutar contra a barbárie e as mentiras do governo e de todos os seus cúmplices! A solidariedade e a coragem que os estudantes em luta estão mostrando são exemplares e precisam ser reforçadas pelos trabalhadores!
QUE TODO O DESCONTENTAMENTO SE UNIFIQUE E QUE A LUTA SE ESTENDA! MAS SOB O NOSSO CONTROLE E NOSSOS PRÓPRIOS MEIOS!
Jornal Faísca (outubro de 2016)
http://jornalfaisca.blogspot.com.br/
facebook.com/faiscarevolucionaria
contato.faisca@gmail.com
sexta-feira, 30 de setembro de 2016
Sobre a natureza da crise política brasileira*
Muito
tem sido dito sobre a atual crise política brasileira. Na grande mídia, vemos
uma verdadeira guerra entre as imprensas simpáticas às principais coalizões
políticas do país, como, por exemplo, a Veja e Isto é de um lado, e a Caros
Amigos e Carta Capital do outro.
Ás
vésperas do afastamento de Dilma Rousseff, as emissoras de televisão chegaram a
suspender a programação oficial para dar atenção as picuinhas políticas em
Brasília. Nas redes sociais, centenas de postagens alimentavam um clima de
disputas partidárias. As causas reais dessa crise não são facilmente
descobertas, mas, de antemão, já podemos afirmar que todas elas têm relação
direta com a crise mundial do capitalismo.
Na
grande maioria dos casos estes conflitos foram tratados como um problema tipicamente
brasileiro. Como se os conflitos e as crises no resto do mundo não pudessem ter
alguma relação com a decadência do Partido dos trabalhadores (PT), que nos
últimos anos vinha dominando a cena política. Além disso, a disputa ideológica
tomou uma aparência enganadora. Pouca atenção foi dada ao fato de que os
inimigos de agora até pouco tempo atrás eram “bons camaradas”. Boa parte dos
opositores do PT atualmente foram, nas últimas eleições, do “time de Dilma e de
Lula”.
Para
além das falas apaixonadas ou desesperadas que alimentam uma falsa polarização,
é necessário fazer uma reflexão séria e ponderada. O que justifica essa virada
de mesa da política parlamentar? Quais interesses econômicos estão por trás das
atuais disputas? Qual a relação entre a crise política no Brasil com a crise do
capitalismo mundial? Um novo “salvador” (Sérgio Moro, Ciro Gomes etc.) poderá
redimir a sociedade brasileira de seus males? Existe algo que a classe
trabalhadora pode fazer?
Sabemos
que as respostas para tantas perguntas não são fáceis, mas tentaremos dar um
ponta pé inicial neste sentido.
quinta-feira, 29 de setembro de 2016
Jornal Faísca Nº 4 - Outubro de 2016
Para ter acesso a nossa quarta edição, clique aqui ou na imagem acima.
Depois de mais de um ano, o FAÍSCA retorna em seu quarto número, que, assim como as edições anteriores, é fruto de muitos debates entre os participantes do jornal. Desta vez, os debates variaram entre a grave crise imigratória atual, fruto das guerras imperialistas no Oriente Médio, e a produção do espaço urbano, que, determinado pelo capital, define como a cidade é produzida e quem tem acesso a ela.
Porém, apesar da relevância desses temas, a grande polêmica dos últimos tempos se tornou o tema desta presente edição. O impeachment da ex-presidente Dilma, o fim do governo do PT e as dúvidas sobre o que os trabalhadores devem fazer em relação à esses acontecimentos, chamou a nossa responsabilidade para combater alguns dos discursos propagados pelos grupos envolvidos nesse processo.
Desta forma, o jornal Faísca discute esses acontecimentos, assim como busca indicar sugestões aos trabalhadores sobre formas para reagir perante as mentiras do governo deposto e aos ataques do novo governo às suas condições de vida.
Jornal Faísca
segunda-feira, 5 de setembro de 2016
Entre a cruz e a espada
Comentários sobre o impeachment de Dilma e o “Fora Temer”
por José Barata
os posicionamentos deste texto são de responsabilidade do autor
A conclusão do
julgamento do impeachment de Dilma
Rousseff na semana passada deu um novo fôlego aos debates apaixonados nas mesas
de bar, filas de banco e redes sociais. O fato parece apontar ainda mais para o
fim da era PT, tal como a conhecemos.
A reação imediata da opinião
pública foi, mais uma vez, polarizar exageradamente os dois blocos políticos
que atualmente disputam a hegemonia política no Estado. De um lado, a “direita
coxinha” comemora a derrota daquilo que chamam de (pasmem!) a maior quadrilha
da história do Brasil, julgada e condenada pelos paladinos citados nos
escândalos de corrupção da “operação lava-jato”. Do outro lado, os “petralhas”
e seus satélites lamentam dramaticamente o fim da “democracia” no país.
Denunciam os horrores da “ditadura Temer” na repressão de protestos, sem se dar
conta que o asfalto ainda não desbotou do sangue derramado nos anos da
“democracia Rousseff”.
Nesse clima de torcida
organizada, os dois lados se apegam a argumentos que passam longe do que
poderíamos chamar de um posicionamento político sensato. Parecem se apegar
excessivamente a aparência das coisas, como se a bandeira vermelha e o
vocabulário pseudo-socialista fizessem do PT um “verdadeiro” partido dos trabalhadores.
Os “anos dourados” do
governo petista são contrapostos drasticamente às “novas” políticas do PMDB e
ao antigo governo FHC. Em suas devidas proporções, as diferenças de fato
existem. Mas é preciso compreender o significado social e o alcance dessas
diferenças. O primeiro passo no sentido de uma análise concreta da situação é
superar a barreira nacional. O nacionalismo é uma ideologia que iguala todos os
indivíduos de um país sob seus aspectos culturais. Sua função é criar uma
identidade geral a todos os cidadãos e ao seu território, segundo elementos comuns
de sua história, religião, idioma ou costumes. Com base neste apelo, é
construída a ideia de que a nação brasileira possui um interesse comum,
ignorando todas as diferenças sociais internas. Neste “mundo fantástico”, ricos
e pobres, patrões e operários possuem um único objetivo, afinal de contas, são
todos brasileiros. Cria-se a ilusão de que o trabalhador brasileiro possui mais
interesses em comum com o compatriota que lhe explora, do que com um outro
trabalhador argentino, chinês, iraquiano ou de qualquer outra nacionalidade.
Seguindo este
raciocínio, quando um político diz que luta pelo crescimento do Brasil, na
verdade, consciente disso ou não, ele trabalha para os interesses das classes
dominantes do país, que generalizam suas necessidades particulares sob a
ideologia nacionalista. Logo, ainda que cada partido siga uma estratégia de
governo diferente, adaptada a cada situação, no fim das contas, todos cumprem a
função de manter a “ordem” para que os empresários possam fazer os seus
negócios sem maiores transtornos. Fazem isso até mesmo realizando concessões
quando necessário, permitindo o aumento de salários ou implementando programas
sociais como o bolsa-família. Todavia, nenhum governo será capaz de acabar com
as desgraças cotidianas dos trabalhadores, pois isso seria colocar em risco a
dominação econômica que permite o enriquecimento das classes dominantes. São
essas mesmas classes que financiam todas as campanhas eleitorais, além de
beneficiarem os políticos profissionais nos milionários esquemas de corrupção.
Apesar disso, é
possível identificar diferentes linhas de governo. É um fato irrefutável que o
governo do PT reorientou a política externa brasileira. A integração do país
nos BRICS buscou criar uma maior independência do Brasil em relação ao FMI. O
predomínio das concessões públicas para a extração do pré-sal pelas empresas
chinesas foi um claro afastamento da hegemonia dos Estados Unidos nas relações
internacionais com o Brasil. Para aqueles que alimentam uma forte antipatia ao “tio
Sam”, esta mudança foi comemorada como um verdadeiro gol de placa. Mas, do
ponto de vista dos trabalhadores, quais foram os impactos deste realinhamento
do Brasil na política internacional? Dizer que isso foi uma vitória para todos os
brasileiros não passa de uma ilusão.
Como em um jogo de
futebol, o torcedor fanático comemora a vitória do seu time como se fosse sua,
quando ele nada teve a ver com o desempenho do time. Enquanto isso, os
jogadores, a equipe técnica, a mídia e seus patrocinadores ganham o verdadeiro
prêmio, lucrando milhões com os espetáculos esportivos. Assim funciona a
democracia representativa. Os cidadãos comemoram os novos acordos comerciais do
país, o aumento das exportações e o crescimento das industrias como se fosse
uma conquista para toda a população, simplesmente porque se sentem parte de uma
grande nação com um objetivo comum.
Podemos nos perguntar,
por exemplo, se a vinda da corte portuguesa para o Rio de Janeiro fez alguma
diferença na vida dos antigos escravos no Brasil. Como se afetaram com a
abertura dos portos em 1808? Quais benefícios colheram com a independência em
1822? Como a senzala reagiu ao realinhamento do comércio brasileiro com a
Inglaterra após a derrota dos portugueses nas lutas de libertação nacional?
Os escravos se tornaram
assalariados. A exploração do trabalho mudou a sua forma, mas sua essência
permanece a mesma. As classes latifundiárias escravocratas não evaporaram com a
Lei Áurea. Apenas se adaptaram aos novos ventos, tendo, inclusive, que disputar
espaço com uma burguesia tupiniquim recém nascida.
Neste sentido, do ponto
de vista dos trabalhadores, quando os defensores apaixonados da “democracia”
afirmam que o governo do PT é o extremo oposto dos demais, não se dão conta de
que, em outras palavras, estão dizendo que do ponto de vista da comida prestes
a ser devorada, existe uma diferença crucial se o cozinheiro irá fritá-la na
chapa ou cozinhá-la em banho-maria.
O PT não será capaz de
deter o avanço do conservadorismo no país, pois, de certa forma, foi ele quem
preparou o terreno para que os conservadores perdessem a “vergonha na cara”,
desde a queda da ditadura militar. Com o controle dos movimentos sociais e o fortalecimento
do sindicalismo, os sucessivos governos petistas contribuíram para o
adestramento da classe trabalhadora. Nesta situação, o proletariado mal está
reagindo a ameaça das políticas de contenção de gastos motivadas pela crise
econômica, fato que pode tornar sua vida cada vez pior.
A única força capaz de
impedir o avanço do conservadorismo no Brasil é a classe trabalhadora
organizada em seu conjunto, livre do controle dos sindicatos e dos partidos
políticos. Caso contrário, as classes dominantes vão agir sem o menor
constrangimento sempre que possível, apoiando governos cada vez mais
reacionários. Caso a insurreição das massas se torne um risco visível, os
burgueses e latifundiários poderão mais uma vez cair nas graças da socialdemocracia,
seja através do PT ou de algum outro partido na linha sucessória. Mas farão
isso apenas para enganar os trabalhadores, encenando com fantoches radicais que
gritam discursos vazios. A libertação da classe trabalhadora não será oferecida
por nenhum governo, pois o Estado é seu inimigo. Apenas uma luta árdua por fora
do Estado poderá vencer o capital. Para derrubá-lo, o golpe precisa vir de
baixo.
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