Por Eric Garcia
os posicionamentos deste texto são de responsabilidade do autor
Na sociedade
atual, é muito comum reduzirmos todas as coisas a produtos comercializáveis, ou
seja, a mercadorias. Tudo que nos
cerca tem um preço. Dos bens palpáveis (comida, carro, eletrônicos etc.) aos
serviços (educação, saúde, segurança etc.). Até mesmo coisas como a vida
privada alheia e os valores éticos podem ser comprados por aqueles que possuem
mais recursos para pagar. Não é isso que acontece com os programas de TV estilo
Big Brother, com revistas de Paparazzi e com os pequenos e grandes casos de
corrupção que vemos todos os dias? Não deveria ser, mas é assim.
As
implicações dessa nefasta característica de nossa sociedade podem ser
terríveis. Cerca de 1,3 bilhão de toneladas de comida são desperdiçadas por ano[1],
enquanto muitos seres humanos passam fome por não ter o que comer. Grandes
crises do capitalismo aconteceram porque se produziu tantas mercadorias que
elas ficaram acumuladas, estocadas, simplesmente pela impossibilidade de vendê-las,
afinal, não existiam pessoas capazes de comprá-las. Para mudar isto, não há
nada mais a fazer além de uma revolução
das bases da sociedade capitalista.
Mas uma
revolução não é simplesmente alterar, aqui e ali, aspectos pontuais da
sociedade. Mudar uma política ou outra e manter a mesma estrutura social é
apenas reformar o capitalismo, sem sequer alterar o fator que faz com que tudo
que conhecemos possa se converter em mercadorias. Precisamos ir mais além.
Quando uma estrutura de uma casa está comprometida, não adianta trocar uma parede
de lugar, reformar o telhado ou o seu sistema elétrico. É necessário que se
destrua as estruturas básicas da casa para construir outra estrutura no lugar.
E é dessa transformação que precisamos na atual sociedade, ou caminharemos para
uma barbárie, um futuro onde a saída não será outra senão “matar ou morrer”.
Até aqui,
podemos concluir que uma revolução é
necessária, afinal, as coisas não
estão dando tão certo como verbalizam os defensores do capitalismo. Mas devemos
prosseguir. Em primeiro lugar, devemos nos fazer uma primeira pergunta: essa revolução é possível? Uma mudança tão
radical parece ser algo muito distante das nossas capacidades. Desde os tempos
de nossos pais e avós as coisas funcionam assim, e parece que nunca vão mudar. Contudo,
duas coisas devem ser postas na mesa: 1) Nem
sempre foi assim! A história da sociedade é repleta de mudanças. As vezes
elas podem demorar séculos para acontecer, por isso não nos lembramos qual foi
a última. Seria um erro muito grande achar que não é mais possível transformar
a sociedade; 2) Temos condições reais para
fazer! Se levarmos em consideração que precisamos buscar uma nova sociedade
na qual todas as pessoas tenham suas necessidades básicas atendidas, que tenham
o que comer, onde morar, como se locomoverem, uma boa saúde e educação, a
resposta não poderia ser outra: Sim, é
possível! Por que não seria, se já somos capazes de produzir riquezas para
atender as necessidades básicas de todos?
Para ilustrar
essa nossa condição de fazer uma revolução nesse sentido, vamos lembrar que
esse debate não é de hoje. No início do século 19, um economista britânico
chamado Thomas Malthus criou uma teoria afirmando que com o crescimento
acelerado da população, no futuro, não teríamos mais como sustentar a todos.
Essa teoria, contudo, não conseguiu se sustentar. Alguns anos depois, Karl
Marx, um economista alemão, usando os dados da produção econômica da Inglaterra,
demonstrou que os meios de produção se tornavam cada vez mais avançados, e que
produzíamos cada vez mais mercadorias. Hoje isso está cada vez mais claro, como
visto no relatório da ONU citado acima sobre o desperdício de alimentos, e como
podemos ver em outra reportagem da mesma organização que diz: “Paraguai produz alimentos para quase 60
milhões de pessoas, mas 10% da população passa fome”[2],
sendo que na época em que essa reportagem foi escrita, o Paraguai possuía apenas 7 milhões de habitantes.
Com tantas
mercadorias que não chegam a serem consumidas simplesmente porque alguém não
pode pagar por elas, fica claro que o problema está como organizamos nossa
produção e distribuição de riquezas.
A partir
daqui, é necessário inserir um debate considerando a existência das classes
sociais. Aqueles que produzem toda essa riqueza, que transformam a matéria
encontrada na natureza em bens que usamos no dia a dia, ou seja, a classe operária, pouco se apropria
desta riqueza produzida. Por exemplo: de toda a riqueza que uma fábrica de
carros produz, pouca coisa se converte em salários para os trabalhadores que lá
atuam. Os sujeitos que verdadeiramente enriquecem com a fábrica são os donos
dela. Enquanto isso, são os trabalhadores, principalmente aqueles que estão em
empregos degradantes ou que se encontram desempregados[3],
que encontram maiores dificuldades para sobreviver, para comer bem, para pagar
seu aluguel ou seu meio de transporte, utilizando de serviços quase sempre
precários. Já as classes dominantes e seus representantes não trabalham, não
produzem, e vivem aos luxos e à custa do trabalho dos outros.
Apesar de
produzirem toda essa riqueza material existente, os operários não decidem
absolutamente nada sobre essa produção. Desde a escolha do que produzir, até
mesmo ao processo de como e para quem produzi-la. Ao contrário, produzem sob o
comando de outra classe social, a burguesia,
classe que possui os meios de produção (fábricas, máquinas, terras, ferramentas
etc.). O grande problema disso é que a história não é contada por completo. A
burguesia só possui esses meios de produção graças a um longo processo
histórico de expropriação de riqueza, ou seja, a retirada da posse dos
trabalhadores. Afinal, se voltarmos até a origem de tudo, quem produziu os
meios de produção? Quem produziu as máquinas? Quem arou a terra? Quem retirou a
matéria prima ainda bruta da natureza? Quem, senão os próprios trabalhadores?
Esse processo é real, e descrito por alguns estudiosos como acumulação primitiva[4].
Passemos para
a próxima questão.
Após
responder a primeira pergunta sobre a viabilidade da revolução, devemos nos fazer
uma segunda pergunta: quem serão aqueles
que levarão adiante um projeto revolucionário? E essa pergunta, de algum
modo, já foi respondida aqui. Vejamos o porquê: se o que temos que revolucionar
é “como organizamos nossa produção e distribuição de riquezas”, precisamos
fazer isso de uma forma diferente. A classe operária é quem produz quase toda a
riqueza da humanidade, porém, juntamente com outros trabalhadores, sofrem com a
escassez dessa mesma riqueza. É o operário que, no chão das fábricas,
transformam a matéria que encontramos em estado natural em mercadorias as mais
sofisticadas possíveis.
É preciso
deixar claro que, apesar de existir outras classes que produzem riquezas, como
os artesãos e camponeses, esses não podem acompanhar o ritmo de produção das
fábricas tecnologicamente mais avançadas. Essas outras classes também
transformam a natureza em produtos, riqueza material. Contudo, o salto da produtividade
que a técnica proporciona para as indústrias (sejam elas urbanas ou agrárias) é
estratosférico! Uma indústria de sapatos produz milhares de vezes mais
mercadorias do que um grupo de artesãos, bem como uma agroindústria de tomates
produz toneladas a mais do que famílias camponesas. Não é uma questão de discutir
se o camponês, o artesão ou o operário possuem relações mais humanas,
coletivas, éticas ou qualquer outra coisa do gênero. É uma questão de
possibilidades reais de garantir uma produção em grande quantidade, que
sustente a todos, e nisso, a classe operária se destaca das demais.
Logo, numa
revolução, a classe operária deve se fazer presente enquanto sujeito
revolucionário fundamental, devendo estar organizada e consciente do seu papel
revolucionário. Tomar e revolucionar os meios de produção utilizados pelos
operários pode fazer com que a sociedade produza para todos de forma
satisfatória. Para isso, o poder de decisão deve estar nas mãos dos operários,
já que são aqueles que produzem quase toda a riqueza material. Nesse sentido, o
projeto revolucionário socialista
deve ser um projeto operário. Ficaria inviável utilizar dos meios de produção
dos artesãos, camponeses ou de qualquer outra classe, e atender a todos
satisfatoriamente.
Porém, isso
não significa de maneira nenhuma que os operários farão qualquer revolução
sozinhos. O projeto pode ter que partir desta classe, mas de forma isolada não
farão mudança alguma. Outros seguimentos da classe trabalhadora, tanto os
artesãos e camponeses já mencionados, quanto aqueles que não transformam a
natureza em riqueza material (professores, taxistas, cientistas, faxineiros
etc.) devem se juntar a esse processo revolucionário. Contudo, devem aderir ao
projeto revolucionário da classe operária, devem leva-lo adiante, fazendo com
que ele possa ter a possibilidade de se tornar algo real.
Essa adesão
ao projeto de outra classe não se configuraria uma exploração de uma classe sob
as outras, como ocorre na relação entre a burguesia e o operariado nos dias de
hoje. O projeto revolucionário do operário tem como objetivo beneficiar todos
aqueles que buscam construir uma sociedade coletivamente. O horizonte a ser
alcançado é uma sociedade onde todos tenham suas condições de existência
garantidas e, consequentemente, suas potencialidades humanas desenvolvidas. Não
defendo que seja algo predeterminado, ou se quer que seja uma tarefa fácil. Mas
é algo possível! Por isso, precisamos lutar cotidianamente contra a exploração
e os ataques da burguesia, a favor de uma sociedade coletivamente construída.
[1]
Como foi constatado no relatório da ONU em 2012: “A Organização das Nações
Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estima que as perdas globais dos
alimentos e o desperdício cheguem a 1,3 bilhão de toneladas por ano - cerca de
um terço da produção mundial de alimentos”. Confira o relatório na íntegra em http://www.onu.org.br/rio20/alimentacao.pdf.
[2]
Confira a reportagem no link: https://nacoesunidas.org/paraguai-produz-alimentos-para-quase-60-milhoes-de-pessoas-mas-10-da-populacao-passa-fome/.
[3]
Sobre a questão do desemprego, um texto do Jornal Faísca, publicado em Janeiro
de 2015 explora este tema, buscando explicar a necessidade do desemprego no
capitalismo. Leia no link: http://jornalfaisca.blogspot.com.br/2015/01/desemprego-as-pessoas-por-detras-dos_20.html.
[4]
O tema da acumulação primitiva é
muito extenso, e envolve um grande período histórico, que vai desde a crise do
sistema feudal e das grandes navegações no século 15, até as manufaturas no
século 18. Não teríamos condições de expor tudo isso aqui neste texto, mas
indico a leitura do capítulo 24 do livro “O Capital”, de Karl Marx, chamado “A Assim Chamada Acumulação Primitiva”, ou de forma mais
resumida, no capítulo 9 do livro
“Introdução a filosofia de Marx”, de Sérgio Lessa e Ivo Tonet, chamado “O
feudalismo e a origem da sociedade capitalista”.