Avaliação da manifestação do
dia 28 de abril em Vitória da Conquista/BA
por
José Barata
Os comentários presentes neste texto são de responsabilidade do autor
Os
protestos da última sexta-feira tomaram várias cidades do Brasil. O centro de
Vitória da Conquista também foi palco de manifestações. Ao contrário do que
ocorreu em algumas grandes capitais, o protesto em nossa cidade ocorreu sem
grandes momentos de tensão com a polícia, nem mesmo quando a manifestação
fechou as duas vias da BR 116 que cortam o município.
Sob
a bandeira de luta contra a reforma previdenciária e trabalhista, o protesto
agregou uma série de trabalhadores do setor de serviços, como professores,
bancários, servidores públicos e rodoviários, além de membros do movimento
estudantil dos ensinos básico e superior. Enquanto isso, uma paralisação na
fábrica de calçados da Dass, supostamente puxada pelo sindicato, permaneceu distante
da manifestação no centro da cidade.
A
chamada “greve geral” foi convocada por várias centrais sindicais em todo o
país, que inseriram o ato em seu “calendário de lutas”, e contou com o apoio da
direção de diversos movimentos sociais e partidos políticos. A luta contra as
reformas da previdência e trabalhista surge como uma grande bandeira que, neste
momento, agrega os interesses de toda a classe trabalhadora brasileira. No caso
da reforma previdenciária, atinge todas as frações da classe que podem se
beneficiar do direito à aposentadoria. No caso da reforma trabalhista, pode
elevar a jornada de trabalho semanal de 44 para 48 horas, sendo que a jornada
diária poderá chegar a 12 horas. Caso sejam implementadas, as reformas irão
aproximar um grande número de indivíduos das condições de trabalho que já eram
experimentadas pelos trabalhadores informais.
Sob
a justificativa de cobrir um suposto rombo nas contas da previdência, bem como
de retomada do crescimento econômico e geração de empregos, estas medidas visam,
na prática, aumentar a extração da mais-valia absoluta dos trabalhadores
produtivos, aumentado o tempo em que estes permanecerão trabalhando. Por outro
lado, buscam liberar as classes dominantes e o seu Estado do dever de repartir
parcelas de mais-valia com os aposentados. Este avanço das políticas de
austeridade em todo o mundo é um sinal de esgotamento do sistema capitalista,
que se mantém, sobretudo, através da extração de mais-valia do
trabalho produtivo.
A
mais-valia absoluta aumenta quando o patrão obriga seu empregado a trabalhar
mais tempo sem elevar o salário. O tempo de trabalho, porém, possui um limite
claro, seja as 24 horas de um dia ou a expectativa de vida do trabalhador. Logo,
um operário médio não pode trabalhar 25 horas por dia, nem no repouso de sua
sepultura.
A
mais-valia relativa, por sua vez, possui um limite muito mais flexível, pois acompanha
o nível de desenvolvimento das forças produtivas. Isso significa que o
proprietário consegue extrair uma maior quantidade de mais-valia sem aumentar o
tempo de trabalho, mas apenas tornando-o mais produtivo, ou seja, tornando-o
capaz de produzir mais riqueza em menos tempo, seja por meio do desenvolvimento
tecnológico, seja por meio de uma reestruturação produtiva. Por exemplo, se em
uma determinada indústria eram necessário 40 indivíduos para realizar certa
função, com a inserção de novas máquinas no processo produtivo esse trabalho pode
ser realizado com a força de apenas um trabalhador. O proprietário, cujo
interesse é elevar seu lucro, não utiliza o desenvolvimento tecnológico para
diminuir a jornada de trabalho de seus funcionários. Ao contrário, costuma
sempre demitir o trabalhador “supérfluo”, intensificando a exploração daqueles
que permanecem em seus postos. Consequentemente, o limite da mais-valia
relativa é basicamente incomensurável, limitando-se apenas capacidade humana de
desenvolver métodos de poupar trabalho.
Historicamente,
graças ao aumento da mais-valia relativa, o capital pôde, diversas vezes, ceder
às pressões da classe trabalhadora sem afetar drasticamente sua taxa de lucro,
seja reduzindo a jornada de trabalho, seja concedendo direitos, como férias e
aposentadoria. De certo ponto de vista, isto produz um efeito positivo para o
sistema capitalista, pois diminui a tensão entre o capital e o trabalho. Resfria,
ainda que momentaneamente, a ira da classe trabalhadora contra os seus inimigos.
Logo, se neste atual momento o capital precisa apelar para o aumento da mais-valia
absoluta, aumentando a idade mínima de aquisição da aposentadoria ou estendendo
a jornada de trabalho, isso significa que os capitalistas estão começando a
ficar sem cartas na manga. Passam a utilizar seus últimos recursos e a
influencias que possuem para aumentar o acumulo de capital. Estão nos forçando
a trabalhar até o limite de nossas vidas.
Se
a classe trabalhadora em todo o mundo conseguir impedir a implementação das
medidas de austeridade que estão sendo implantadas pelos governos de vários
países, além de representar uma demonstração de sua força, significaria um duro
golpe contra o capital, que teria o seu poder seriamente abalado em um contexto
de crise econômica mundial. Do ponto de vista estratégico, este seria um grande
passo em direção à derrubada final de todo o regime de exploração do trabalho
pelas classes dominantes. Neste sentido, a luta contra as medidas de
austeridade, como as reformas previdenciária e trabalhista, é extremamente
importante e necessária para toda a classe trabalhadora.
Todavia,
este cenário ainda parece ser um vislumbre distante. Em primeiro lugar, as
manifestações do dia 28 foram fortemente marcadas pelo sindicalismo que, em
todas as suas formas atuais, é contrário aos interesses da classe trabalhadora.
A realidade, contudo possui uma aparência enganadora. Os sindicatos aparecem
como legítimos representantes de sua categoria. Todavia, por debaixo da pele de
cordeiro, a burocracia sindical é estrutura de comando atreladas ao Estado, que
direciona as lutas políticas dos trabalhadores, conciliando as decisões para a
manutenção da ordem política.
Os
sindicatos são constituídos por uma burocracia profissionalizada que afasta o
conjunto da classe trabalhadora dos processos de decisão. Divide o movimento
entre a base e a direção. Nesta nomenclatura sindical, fica clara a visão
estreita de seus dirigentes, que se consideram o topo de uma pirâmide
hierárquica, sustentada por uma base amorfa e sem autonomia. Os sindicalistas
são uma “elite” com a qual os patrões e o Estado estão acostumados a negociar.
Frequentemente ganham cargos de confiança nas empresas, públicas e privadas, bem
como no Estado. Chegam a ocupar importantes postos de poder, como prefeituras,
governos estaduais, ministérios ou até a presidência da república.
Na
manifestação em Vitória da Conquista, foi possível observar carreiristas de
longa data puxando carros de som e falando em nome de sua categoria. Se
aproveitam dos holofotes para projetar a si próprios enquanto lideranças
necessárias aos interesses dos trabalhadores. Cabe notar que estes políticos
profissionais buscam nestas lutas apenas alcançar objetivos pessoais. Se
utilizam da indignação das massas contra as reformas da previdência e
trabalhista para ganhar os corações e mentes dos trabalhadores. Mesmo aqueles
que possuem o interesse honesto de lutar pela melhoria de vida da classe
trabalhadora, não são capazes alterar a estrutura sindical, sendo
frequentemente corrompidos no decorrer de sua experiência política.
Diversos
setores da socialdemocracia estavam representados nas ruas de Conquista na
última sexta-feira. Compareceram desde os petistas de carteirinha, até os
petistas enrustidos da Consulta Popular/Levante, com seu bloco de carnaval a
entoar esdrúxulas paródias dos sucessos da moda. Músicas vazias de conteúdo e
significado, mas fantasiadas de palavras radicais. Ao seu lado, aparecia uma oposição
sindical composta pela Adusb, Simmp, militantes do PCB etc., que, em suas
falas, fazem duras críticas ao PT e seus apoiadores, mas que, na prática,
constroem uma frente de luta ao seu lado. Publicaram nota conjunta
com aqueles que dizem combater. No fim das contas, todos reforçam e se
confortam na luta sindical para a construção de um projeto comum. Nenhuma das
palavras de ordem mais radicais desta “oposição” desfaz a confusão de estarem lado
a lado com a socialdemocracia que estava, até ontem, governando o Brasil.
Os
petistas, agora fora do governo federal, também começaram a radicalizar o seu
discurso de oposição. De forma oportunista, atribuem ao governo Temer uma
proposta de reforma previdenciária que vinham tentando implantar no governo
Dilma e que, na ocasião, foi defendida por Lula. Sua memória
seletiva lhes permite mudar da água para o vinho, tentando forçar os
trabalhadores brasileiros a engolir seu discurso oportunista. O prato feito do
“fora Temer” tem, por baixo da cobertura, o recheio do “volta Lula”. Da mesma
forma que os autores do impeachment
utilizaram, de forma hipócrita, a bandeira “contra a corrupção” para derrubar
Dilma Rousseff, esses sindicalistas utilizam agora a insatisfação dos
trabalhadores brasileiros com as reformas previdenciária e trabalhista para se
promover e fortalecer a atual oposição que gravita em torno do PT. Não passam
de demagogos que dizem aquilo que as massas querem ouvir, utilizando os
manifestantes como massa de manobra para seus interesses políticos e
eleitorais.
No
fim das contas, a “greve geral” do dia 28 não poderia ter ocorrido sem toda a
artificialidade sindicalista. Essa gente nada sabe sobre o movimento orgânico
da classe trabalhadora. Acreditam que uma greve geral pode ser convocada com
hora marcada, sob o controle dos chefes dos sindicatos e das direções dos
movimentos sociais. A história mostra, todavia, que os grandes levantes
massivos ocorrem espontaneamente, justamente quando fogem do controle da
burocracia sindical, tal como aconteceu nas jornadas de junho em 2013. Nenhuma
greve geral ou nenhuma revolução jamais foi programada. Trata-se de um evento
complexo e extremamente difícil de se prever com precisão. É um produto de toda
a indignação e revolta das massas e, tal como qualquer rompante de ira, mais se
assemelha a uma erupção vulcânica, impossível de ser contida pelos mecanismos
de controle dos sindicatos. Por isso mesmo, fazem as classes dominantes
tremerem na base.
A convocação de uma “greve geral” para o
dia 28 partiu muito mais de uma iniciativa de grandes forças políticas,
posicionadas acima da classe trabalhadora. Foi mais uma jogada no tabuleiro de
xadrez da política. Contou, inclusive, com o apoio de importantes setores
conservadores do país, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Serviu também para dar vazão à insatisfação das massas, além de causar a
impressão de que seus dirigentes estão fazendo alguma coisa por aqueles que
dizem representar.
A
única forma de enfrentar os ataques das classes dominantes é a partir da
organização autônoma da classe trabalhadora, ou seja, passando por cima do
controle dos sindicatos e partidos políticos institucionais. O levante das
massas deve vir de baixo. Os trabalhadores devem se organizar em órgãos de luta
com a mais ampla democracia, com participação direta, como em assembleias
controladas pelo próprio conjunto dos trabalhadores. Nenhuma greve geral será
possível sem que parta da própria vontade das massas, de sua insatisfação e
revolta contra a escravidão assalariada a que se submetem todos os dias. Nada
parecido com o “calendário de lutas” artificial imposto pela burocracia
sindical. Além do mais, para ganhar força, as lutas da classe trabalhadora
devem contar com a forte presença da classe operária, das indústrias urbanas e
rurais, onde é produzido o conteúdo material da riqueza social. Sem o impulso operário,
o capital continuará controlando a produção e distribuição das riquezas e,
consequentemente, continuará sendo capaz de manter seu império de pé. Apenas
assumindo o controle dos meios sociais de produção é que os trabalhadores serão
capazes de reagir aos ataques que as classes dominantes lançam contra nós neste
momento.