segunda-feira, 15 de outubro de 2018

A CRÍTICA DO VOTO CRÍTICO – PARTE 1


Por Eric Garcia
Os posicionamentos deste texto são de responsabilidade do autor
(Ver também Parte 2 e Parte 3)

Dizer que o Brasil está em perigo já virou lugar comum nessas eleições. “A luta agora é pela democracia”. Por isso, há um discurso de que precisamos votar no PT para a presidência, precisamos votar no seu candidato selecionado à nove dedos, pois, apesar de todos os problemas do PT, ele ainda luta pela democracia. Do outro lado, se Bolsonaro (PSL) ganhar as eleições, corremos um enorme risco de voltar à uma ditadura militar, onde não haverá mais a possibilidade de lutar pela própria revolução. Farei uma reflexão sobre esse dilema daqui para frente.
Com o intuito de trazer essa discussão à tona, pretendemos fazer uma série de três textos. Este primeiro tratando mais sobre a conjuntura política nacional, bem como a base dos argumentos sob a qual se sustenta a defesa do voto crítico. Já no segundo, tratarei mais de perto algumas posições e argumentações defendidas por grupos que se aproximam de algum modo, mesmo que distante, de posições revolucionárias presentes no Brasil. Por fim, no terceiro texto buscarei fazer uma análise dos motivos reais para a defesa do voto crítico e como isso representa a falência posições revolucionárias. 
Antes de iniciar, deixo claro que aponto, principalmente nas duas primeiras partes, apenas superficialmente algumas questões já aprofundadas na série de artigos que está sendo lançada neste mesmo jornal, principalmente no que se refere ao papel da social-democracia na ascensão de uma onda conservadora de extrema direita no Brasil e no mundo.


A conjuntura da atual divisão política brasileira
Bolsonaro apareceu como uma figura política inacreditável, quando ninguém parecia esperar, defendendo abertamente valores retrógrados que todos já conhecem. Ao mesmo tempo, por se posicionar, dentro do espectro político burguês, do lado oposto ao PT, Bolsonaro é considerado como “o salvador da pátria”, já que nos últimos anos o Brasil passou por uma série de problemas econômicos e o governo petista não conseguiu gerir com êxito o capital. Isso traz esperanças para muitas pessoas; mas é um pesadelo infame para muitas outras. Não é à toa que os dois candidatos mais bem votados no primeiro turno são também os com maior índice de rejeição. Isso polariza a disputa burguesa pelo cargo político de maior importância na república brasileira, dividindo os eleitores em “anti-petismo” e “anti-bolsonaro”.
Mas o leque de militância política pode ir muito mais além do que as opções políticas burguesas postas. Existe toda uma tradição de militantes revolucionários, comunistas ou anarquistas, que enxergam contradições insolúveis dentro desse modo de fazer política determinado pelo Estado capitalista. Entretanto, quando deveríamos, mais do que nunca, estar unidos neste caos político para combater todas essas ideologias, surge um discurso que atrai muitos daqueles que se colocam enquanto revolucionários. A defesa do voto crítico para não regredirmos na história.

Uma divisão não tão polarizada assim
Este embate entre ideologias de esquerda e direita não soluciona problema algum. A história nos mostra, por exemplo, que quando governos social-democratas estão no poder, ao enfrentar um momento de crise econômica, a ascensão de uma ideologia de extrema direita, até mesmo fascista, é uma consequência possível. Logo as diversas classes sociais colocam a culpa na direção do governo, e não na crise do capital, apontando que a solução seria virar a política nacional do avesso, dando espaço para políticos extremamente reacionários assumirem posições de destaque. Este é o caso atual do Brasil. Também foi o caso da Alemanha nazista.
É por este motivo que podemos supor que, mesmo que o PT (ou qualquer outro governo social-democrata) volte à liderança do Estado burguês, isso pode proporcionar um fortalecimento exponencial na ideologia de extrema direita. Esta é a contradição que gostaríamos de evidenciar. A social-democracia não pode salvar a sociedade de uma onda conservadora, uma vez que é ela própria que fortalece esta onda em tempos de crise, como o que estamos vivendo.

A democracia seria o nosso melhor campo de batalha?
O argumento do voto crítico defendido por alguns grupos que se posicionam próximos às posições revolucionárias (falaremos de alguns destes no próximo texto) se esbarra nessa contradição. Isso evidencia uma diferença de análise que os apologéticos ao voto crítico fazem do que seria uma democracia.
A democracia é, muitas vezes, vista como algo puro, independente da realidade social em que está inserida. Por isso é muito comum ouvirmos afirmações como “em uma verdadeira democracia as coisas ocorreriam diferente”, ou que “em uma verdadeira democracia o poder emana verdadeiramente do povo”, e que hoje possuímos uma democracia apenas representativa, uma “democracia pela metade”. Essa ilusão com este regime político democrático nos impede de enxergamos as bases reais que sustentam sua existência. E este é o principal motivo que faz muitos indivíduos com aspirações revolucionárias caírem na armadilha do voto crítico.
Existe um medo, totalmente compreensível, de voltarmos a uma ditadura nos moldes da que tivemos após o golpe de 1964. Entretanto, não podemos deixar de salientar que essa ditadura jamais cessou. É só voltarmos nossos olhos para a realidade da maioria dos trabalhadores do país, que, vivendo em uma situação de calamidade, sentem na pele uma realidade que expressa muito bem as estratégias de controle da ditadura militar brasileira: intervenção militar nas favelas, ameaças e torturas policiais, prisão não justificada, assassinato e desaparecimento dos corpos, desocupação residencial. A lista não para por aí. O medo, então, é de vivermos o que muitos já vivem cotidianamente. Além disso, também possuímos o medo de que nossas vidas econômicas se tornem como a desses trabalhadores: sem direitos como salário mínimo, jornada de trabalho máxima, férias, 13º salário, instabilidade constante, total subordinação às condições econômicas.
O que precisamos saber é que, enquanto revolucionários, não podemos nos curvar ao terror, ao risco iminente de vivermos novamente em um regime ditatorial. Sem sombra de dúvidas, a militância deve se comportar diferente, sob estratégias diferentes. Nossa chama pela revolução não deve jamais apagar e se tornar cinzas, mas sim se manter acesa independente de qualquer situação política.
Esse debate sobre a democracia precisaria de muito mais espaço para desenvolvê-lo, o que tornaria este texto muito maior do que o planejado, e este não é nosso objetivo aqui. Veremos no próximo texto os argumentos mais recorrentes utilizados para a defesa do voto crítico, citando alguns grupos que, apesar de flertarem pontualmente com posições revolucionárias, acabam se protegendo sob um domo de posições reformistas.