Muito
tem sido dito sobre a atual crise política brasileira. Na grande mídia, vemos
uma verdadeira guerra entre as imprensas simpáticas às principais coalizões
políticas do país, como, por exemplo, a Veja e Isto é de um lado, e a Caros
Amigos e Carta Capital do outro.
Ás
vésperas do afastamento de Dilma Rousseff, as emissoras de televisão chegaram a
suspender a programação oficial para dar atenção as picuinhas políticas em
Brasília. Nas redes sociais, centenas de postagens alimentavam um clima de
disputas partidárias. As causas reais dessa crise não são facilmente
descobertas, mas, de antemão, já podemos afirmar que todas elas têm relação
direta com a crise mundial do capitalismo.
Na
grande maioria dos casos estes conflitos foram tratados como um problema tipicamente
brasileiro. Como se os conflitos e as crises no resto do mundo não pudessem ter
alguma relação com a decadência do Partido dos trabalhadores (PT), que nos
últimos anos vinha dominando a cena política. Além disso, a disputa ideológica
tomou uma aparência enganadora. Pouca atenção foi dada ao fato de que os
inimigos de agora até pouco tempo atrás eram “bons camaradas”. Boa parte dos
opositores do PT atualmente foram, nas últimas eleições, do “time de Dilma e de
Lula”.
Para
além das falas apaixonadas ou desesperadas que alimentam uma falsa polarização,
é necessário fazer uma reflexão séria e ponderada. O que justifica essa virada
de mesa da política parlamentar? Quais interesses econômicos estão por trás das
atuais disputas? Qual a relação entre a crise política no Brasil com a crise do
capitalismo mundial? Um novo “salvador” (Sérgio Moro, Ciro Gomes etc.) poderá
redimir a sociedade brasileira de seus males? Existe algo que a classe
trabalhadora pode fazer?
Sabemos
que as respostas para tantas perguntas não são fáceis, mas tentaremos dar um
ponta pé inicial neste sentido.
O
GIRO DO PT NA POLÍTICA EXTERNA
A
chegada do PT à presidência da república em 2003 é marcada por uma política de
conciliação de classes e controle social, declarada previamente na “carta do
povo brasileiro” assinada por Lula em 22 de junho de 2002(1).
Além
desse realinhamento, algumas medidas de caráter nacionalistas foram tomadas
visando garantir interesses de frações da burguesia nacional. Tais medidas
foram: exigência de produção local para a redução de impostos; um modelo de
concessões que visava uma diminuição da participação dos antigos parceiros que
não se enquadraram nele (como os EUA); exigência de transferência de tecnologia(3) para
a compra de artigos de alto valor tecnológico, como no caso da licitação para a
compra dos aviões caças, e o incentivo da produção de alta tecnologia por
indústrias brasileiras para evitar a dependência da tecnologia dos EUA e
aliados, como os casos das sondas petrolíferas e dos submarinos nucleares. O
modelo de partilha da extração do pré-sal deixou de fora muitas empresas
tradicionais do setor, ao passo que a Petrobrás e as petrolíferas chinesas
abocanharam praticamente todas as áreas de extração.
Gostaríamos
de salientar que esse “realinhamento político” em que o governo do PT procurou
para desenvolver suas políticas econômicas, em momento algum representou
qualquer alteração na relação de exploração entre o capitalista e o
trabalhador.
Como
veremos a seguir, a falta de controle sobre a população e a incapacidade de
ampliar a exploração dos trabalhadores, contribui significativamente para a
saída do PT como representante principal da classe burguesa.
PROBLEMAS
“DOMÉSTICOS”
Paralelamente
aos realinhamentos do Brasil na política externa, começaram a surgir
conturbações “dentro de casa”. Medidas paliativas tomadas para impedir uma
queda maior do lucro das indústrias e das empreiteiras provocaram uma quebra no
Estado, que aumentou substancialmente o tamanho da sua dívida ao passo que
diminuiu a sua capacidade de economizar para pagar os custos dela. Isso tem
levado uma maior desconfiança dos agentes do mercado financeiro, que
desestabilizam ainda mais a economia, e exige o aumento dos juros, o que faz
com que a carga sobre os ombros dos trabalhadores seja ainda maior.
Os
grandes beneficiários dessas desonerações, a grande burguesia industrial,
chamou manifestações contra o governo com a afirmação de que não iria “pagar o
pato”. Mas sabe-se que “o pato” lhe foi servido com centenas de bilhões de
reais nos últimos anos, sendo conveniente e barato agora transferir todos os
custos do seu “pato” para os trabalhadores. Mas como? Através da intensificação
da exploração do trabalho com a exigência de aumento da carga horária de
trabalho semanal para 80 horas, com o aumento da idade mínima para a
aposentadoria, com o fim de direitos trabalhistas como o PIS, as férias, a
diminuição das duas horas de almoço e a terceirização total dos trabalhadores,
ou seja, essas medidas são para impedir que os custos da crise cheguem até os
grandes capitalistas.
A
crise econômica também fez com que o Estado investisse pesado em grandes obras
como a usina de Belo Monte, a transposição do Rio São Francisco, as faraônicas
obras para a Copa e as Olimpíadas, o que, mesmo em tempo de crise mundial,
permitiu que as empreiteiras(4) tivessem lucros astronômicos.
Como se não bastasse, o programa Minha Casa, Minha Vida foi criado sob o
pretexto de garantir que os trabalhadores sem casa própria pudessem ter um
lugar decente para viver, mas na verdade as maiores beneficiadas em lucro foram
as empreiteiras que tiveram acesso à mais uma fatia da riqueza produzida
socialmente por trabalhadores, ou seja, esses trabalhadores só terão acesso à
habitação, estando condicionados aos baixos salários mínimos e pagando em
parcelas os altíssimos impostos. Uma medida econômica embutida nos impostos e
que é abocanhada pelo Estado, ou seja, não é uma garantia, é uma troca de bens,
impostos parcelados para a aquisição/compra de habitação, intermediada pelo
Estado.
Para
nós, não há dúvidas que, de certa forma, uma parcela da classe trabalhadora se
beneficiou deste programa, pois durante décadas os trabalhadores brasileiros
não tiveram, ou ainda não tem onde morar, e nenhum governo atuou realmente
pensando em mudar essa situação. Porém, o programa foi criado justamente em um
contexto de crise para garantir os lucros das empreiteiras, que são grandes
financiadores das campanhas políticas, além de estarem envolvidas em várias
negociatas e casos de corrupção.
Essas
mesmas empreiteiras tiveram um grande incentivo do Estado brasileiro para
expandir a sua atuação no exterior, principalmente em países da África, Ásia e
América Latina, com participação em grandes e lucrativos projetos. Porém com o
surgimento das investigações da Operação Lava-Jato, ficou exposto para todos a
relação promíscua do capital com o Estado, pois agora todos sabem das
tenebrosas transações que ocorrem entre as grandes empresas e o sistema
político.
Muitos
agentes públicos e privados foram presos, porém essa informação que deveria ser
capaz de mostrar que a corrupção dos operadores do Estado é uma regra de
funcionamento do capitalismo, apenas serviu para aprofundar alienações entre a
maioria da classe média e da classe trabalhadora ao apostar em salvadores, como
o juiz Sergio Moro, entre outros.
O
FUNDO DO POÇO
A
soma de todos esses fatores veio a desembocar numa rejeição de praticamente
todas as frações de classe burguesa em relação ao gerente do capitalismo
brasileiro, o PT. A forma como os resultados da Operação Lava-Jato foram
expostos, “queimou” apenas este partido, ao invés de todos os envolvidos, Porém
com o avanço das revelações, fica claro que a burguesia se encontra sem
representantes com legitimidade suficiente para substituir seus servos petistas
e garantir sem problemas o crescimento da exploração e da lucratividade.
Frente
a todos estes fatos, se acrescenta a questão de que no momento em que a crise
mais se acentua no país o governo Dilma se via impedido de pôr em ação as
medidas que a classe burguesa necessita: as medidas de contenção de gastos que
vão fazer com que a classe trabalhadora pague todos os custos da crise.
Exemplos destas medidas são a terceirização generalizada do trabalho, arrocho
salarial, aumento de impostos, suspensão de direitos trabalhistas e a
famigerada reforma da previdência social para que seja necessário que os
trabalhadores sejam explorados durante mais tempo até que possam se aposentar,
isso se for possível, uma vez que a idade da aposentadoria está cada vez mais
próxima da idade média da mortalidade.
Estas
tem sido bandeiras da burguesia, porém o partido deposto não conseguiu pô-las
em prática, seja por não ter base congressual, seja por ter uma base social
atualmente formada por sindicalistas e dirigentes de outros movimentos sociais
parceiros. Estas lideranças sabem que se tais medidas forem implementadas, os
líderes sindicais pagarão um alto custo frente aos trabalhadores, que já há
muito tempo estão desconfiados de sua representação.
Portanto
a queda do PT, um partido social-democrata burguês que durante uma década
serviu para garantir a paralisia dos trabalhadores com ajuda de suas
lideranças, agora se vê retirado do poder aos pontapés justamente por não ser
mais capaz de exercer este controle, como tem sido demonstrado desde as
manifestações de Junho de 2013. A corrupção é apenas o pretexto da sua saída,
pois sabemos que todos os governos sob o capitalismo administram de maneira
corrupta pois faz parte do seu funcionamento.
Reafirmamos
aqui o caráter de ligação essencial entre a crise do sistema capitalista e a
crise política e econômica no Brasil. Essa crise atinge o Brasil, como tantos
outros países, principalmente por medidas políticas de contenção de gastos
aplicadas pelo Estado, e que atingem negativamente toda classe trabalhadora. A
solução para estes problemas está longe de passar pela simples alternância
partidária.
MOMENTO
DECISIVO
Em
meio a este turbilhão de caos, a bandeira de luta que parece unir toda a nação
(desde a burguesia até a classe operária) em um ideal comum é o combate a
corrupção. Esta é utilizada como a causa de todos problemas, logo uma
moralização do parlamento e dos poderes executivo e judiciário colocariam o
país no caminho certo. Porém a corrupção não passa de um simples efeito nefasto
que está enraizado na própria estrutura da sociedade capitalista. Não são
ideologias que orientam
Se
moralizar a máquina estatal é um sonho impossível, recorrer aos velhos métodos
de luta também é dar murro em ponta de faca. Trocar o político da vez não irá
resolver nada. Nenhuma frase de efeito de qualquer “Cirão da massa” vai salvar
a pátria. A pessoa da Dilma ou do Temer nem são os responsáveis, nem podem
resolver todos os problemas sociais do capitalismo no Brasil. A culpa nunca é de
uma meia dúzia de pessoas. O problema está impregnado no sistema. Nem o
parlamento, nem os sindicatos irão resolver nada, pois eles também são parte do
problema. Mantém as massas longe dos processos de decisão, e se esforçam para
que a participação popular se resuma às urnas ou ao apoio as propostas de seus
partidos. A democracia representativa não é o caminho para a classe
trabalhadora. É preciso partir para a ação direta, criando seus próprios órgãos
de luta.
É
necessário que os trabalhadores se encarreguem de suas lutas sem
intermediários. Os sindicatos se esforçam para fragmentar os trabalhadores em
setores (público, privado, especializados, não especializados, desempregados,
terceirizados, contratados etc.) cumprindo o papel de controle social e conciliador
de classes para a classe dominante empregando a velha tática do “dividir para
conquistar”. O proletariado tem que tomar em suas próprias mãos suas lutas,
organizando por si mesmos as assembleias gerais e decidindo coletivamente as
reivindicações e as medidas a serem implementadas, elegendo delegados
revogáveis a qualquer momento.
As
assembleias gerais permitem a reflexão e a discussão coletiva, dando
possiblidade para a construção da unidade e solidariedade entre os
trabalhadores. Ao contrário dos métodos sindicais, são necessárias assembleias
que estejam abertas a todos os trabalhadores (não apenas aos do setor ou
empresa) e dirigir esforços para construir lutas com a participação de diversos
setores de trabalhadores e não no isolamento imposto pelos sindicatos e seus
calendários de “lutas”. Fora do controle sindical, toda a classe trabalhadora
se educa, tomando consciência dos seus problemas reais e dos meios para
resolvê-los. Contudo, não existe nenhuma fórmula pronta a ser aplicada a
qualquer realidade, os trabalhadores precisam encontrar seus próprios meios de
luta.
Esta
é uma necessidade cada vez mais urgente. A crise econômica se aprofunda cada
vez mais e este não é apenas um problema tipicamente brasileiro, pois o mundo
inteiro está adotando políticas de contenção de gastos contra a classe
trabalhadora. Os trabalhadores precisam tomar uma posição própria, se organizar
e lutar contra a implantação de tais medidas. E enquanto uma classe que é
explorada pela burguesia independente de fronteiras nacionais, sua luta só pode
ser baseada na solidariedade internacional, e sendo assim, para fortalecer a
força global as diferentes frações do proletariado devem enriquecer sua prática
com todas as lições adquiridas ao longo da história de suas lutas. A única resposta
possível é um movimento massivo dos trabalhadores.
______________________________________________
Notas:
*
Esse texto foi produzido coletivamente pelos integrantes do Jornal FAÍSCA,
apesar de não representar de forma unânime a opinião de todos os integrantes do
coletivo.
(1) Segue um trecho da carta: “A
crescente adesão à nossa candidatura assume cada vez mais o caráter de um
movimento em defesa do Brasil, de nossos direitos e anseios fundamentais
enquanto nação independente. Lideranças populares, intelectuais, artistas e
religiosos dos mais variados matizes ideológicos declaram espontaneamente seu
apoio a um projeto de mudança do Brasil. Prefeitos e parlamentares de partidos
não coligados com o PT anunciam seu apoio. Parcelas significativas do
empresariado vêm somar-se ao nosso projeto. Trata-se de uma vasta coalizão, em
muitos aspectos suprapartidária, que busca abrir novos horizontes para o país
[...] Quer trilhar o caminho da redução de nossa vulnerabilidade externa pelo
esforço conjugado de exportar mais e de criar um amplo mercado interno de
consumo de massas”. Fonte:
<http://www.iisg.nl/collections/carta_ao_povo_brasileiro.pdf>.
(2) Novo Banco de Desenvolvimento
(NBD), também referido como Banco de Desenvolvimento do BRICS ou simplesmente
Banco do BRICS.
(3) Sobre a transferência de
tecnologia: A venda de produtos com componentes de tecnologia americana
em setores de alta tecnologia ou estratégicos, é altamente protegida pelo
governo americano, assim se por exemplo venderem aviões para o Brasil eles não
repassam os conhecimentos e desenvolvimentos tecnológicos empregados. Apenas
vendem os equipamentos onde a própria manutenção só é executada por eles. Como
também que os aviões que tenham itens de tecnologia desenvolvida nos Estados e
fabricados no Brasil, como no caso da Embraer para que esta monte as aeronaves
e venda para outros países, a venda está subordinada a permissão dos Estados
Unidos, assim a Embraer por exemplo é impedida de vender para a Venezuela, Irã
etc. A política desenvolvida pelos governos da fração lulista elegeu
prioritariamente fornecedores com repasse da tecnologia. Tipo do acordo para a
compra das aeronaves suecas ou a construção do submarino nuclear com a França.
Também os acordos na maioria das vezes preveem a existência de um índice de
nacionalização considerável, ou seja que os materiais e ou serviços sejam
adquiridos em território nacional. No caso dos aviões suecos a continuidade do
fornecimento está condicionada a fabricação em território nacional. No caso dos
submarinos nucleares, desde o início a montagem está sendo feita no Brasil,
inclusive a tecnologia da propulsão nuclear a tecnologia já era dominada pelo
Brasil, a parte significativa da indústria francesa está relacionada ao casco.
(4) Tais como a Odebrecht, OAS,
Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Mendes Júnior e Carioca.
Todas citadas na Operação Lava-Jato.