domingo, 4 de junho de 2017

O que são os Conselhos Operários? V – Os sovietes diante da questão do Estado



O que são os Conselhos Operários? V – Os sovietes diante da questão do Estado
No artigo anterior da série (Revista Internacional nº 143) vimos como os sovietes, que tinham tomado o poder em outubro de 1917, foram perdendo gradualmente até converterem-se em uma mera fachada, mantida em vida artificialmente para ocultar o triunfo total da contrarrevolução capitalista que se instaurou na Rússia. O objetivo deste artigo é compreender por que se deu este processo e tirar lições diante das futuras tentativas revolucionárias.
A natureza do Estado que surge com a Revolução
Ao analisar a experiência da Comuna de Paris em 1871, Marx e Engels haviam tirado uma série de lições sobre a questão do Estado que podemos resumir em duas:
1)      É necessário destruir o Estado burguês até que não reste de pé pedra sobre pedra;
2)      No dia seguinte à revolução, o Estado se reconstitui principalmente por duas razões:
a.       A burguesia ainda não foi total e completamente derrotada e erradicada;
b.      Na sociedade de transição ainda persistem classes não exploradoras, mas que têm interesses que não são coincidentes com os do proletariado: pequena burguesia, campesinato, marginalizados urbanos...
Não será objeto deste artigo analisar a natureza desse novo Estado [1], no entanto, queremos destacar, por ser importante ao tema que nos ocupa, que se bem embora não seja mais um Estado como todos os anteriores que existiram na história, segue tendo características que o tornam perigoso para o proletariado e seus conselhos operários, por isso, como assinalou Engels e como insiste Lênin em O Estado e a Revolução, o proletariado deve iniciar desde o próprio dia da revolução um processo de extinção do novo Estado.
Uma vez tomado o poder, o principal obstáculo com o qual tropeçaram os sovietes dentro da Rússia foi o Estado surgido deles. Este, (...) apesar da aparência de sua maior potência material (...) é mil vezes mais vulnerável ao inimigo que os outros organismos operários. Com efeito, o Estado deve sua maior potência material a fatores objetivos que correspondem perfeitamente aos interesses das classes exploradoras, mas que não têm nenhuma relação com a função revolucionária do proletariado” [2].
No artigo anterior descrevemos os fatos que propiciaram o enfraquecimento dos sovietes: a guerra civil, a fome, o caos geral de toda a economia, o esgotamento e a progressiva decomposição da classe operária, etc. Estruturando esse processo, a “conspiração silenciosa” do Estado soviético contra os sovietes teve três vetores:
1)      O peso crescente que foram adquirindo instituições estatais por natureza: Exército, Tcheka (polícia política) e Sindicatos;
2)      O “interclassismo” dos sovietes e a burocratização acelerada que ela provocava;
3)      A absorção gradual do Partido Bolchevique. O primeiro foi abordado no artigo anterior da série. Veremos neste artigo os dois últimos.

O irreprimível reforço do Estado
O Estado dos sovietes excluía a burguesia, mas não era um Estado exclusivo do proletariado. Incluía camadas sociais não exploradoras como os camponeses, a pequena burguesia, as diferentes camadas médias. Estas classes tendem a preservar seus estreitos interesses e põem inevitavelmente obstáculos à marcha em direção ao comunismo. Este “interclassismo” inevitável foi um fato chave na condução do novo Estado, como denunciou a Oposição Operária em 1921 [3]: significava que “(...) a política soviética tinha se rompido em diversas direções e sua configuração com relação à classe tenha se descaracterizado” e se constituiu no terreno propício da burocracia estatal.
Pouco tempo depois de Outubro, os antigos funcionários czaristas começaram a recuperar as posições nas instituições soviéticas, especialmente quando tinham que tomar decisões improvisadas diante dos problemas que iam se apresentando. Assim, por exemplo, em fevereiro de 1918 diante da impossibilidade de organizar o abastecimento de produtos de primeira necessidade, o Comissariado do Povo teve que pedir ajuda às comissões que o antigo Governo Provisório colocou em funcionamento. Seus membros aceitaram sob a condição de não se subordinar a nenhum bolchevique, o que foi aceito. Da mesma forma, a reorganização do sistema escolar para o período 1918-19 teve que ser realizada recorrendo-se a antigos funcionários czaristas, que acabaram adulterando com muita sutileza os planos de ensino propostos.
Além disso, os melhores elementos proletários foram se convertendo progressivamente em burocratas alheios às massas. Os imperativos da guerra absorveram numerosos quadros operários como comissários políticos, inspetores ou chefes militares. Operários capacitados passaram a ser gestores da administração econômica. Os antigos burocratas imperiais e os recém chegados de origem operária foram cristalizando-se em uma camada burocrática identificada com o Estado. Mas este órgão tem uma lógica própria cujos cantos da sereia acabaram por seduzir revolucionários tão experientes quanto Lênin e Trotsky.
Os portadores desta lógica eram tanto os antigos funcionários como elementos procedentes das elites burguesas que conseguiram penetrar na fortaleza soviética pela porta que lhes oferecia o novo Estado: (...) milhares de indivíduos, que estavam mais ou menos intimamente ligados à burguesia expropriada, por laços de costume e de cultura, voltaram a desempenhar um papel (...). Fusionandos com a nova ‘elite’ político-administrativa, cujo núcleo era constituído pelo próprio partido, os setores mais ‘abertos’ e melhor dotados tecnicamente da ‘classe expropriada’, não tardaram a voltar a posições dominantes” [4]. Como assinala o historiador soviético Kritsman, estes indivíduos(...) em seu trabalho administrativo experimentavam uma desenvoltura e uma hostilidade em relação ao público” [5].
Mas o elemento mais perigoso era a própria engrenagem estatal, que com sua inércia desenvolvia-o de forma imperceptível, fazendo que até os funcionários soviéticos mais abnegados tendessem a separar-se das massas, desconfiar delas, adotar métodos burocráticos, impor e não escutar, despachar assuntos que envolvem milhões de pessoas como meros expedientes administrativos, governar por decreto.
O partido, ao mudar suas tarefas de destruição pelas de administração, descobre as virtudes da lei e ordem e da submissão à justa autoridade do poder revolucionário” [6].
A lógica burocrática do Estado caminha de mãos dadas com a burguesia, que é uma classe exploradora e pode delegar tranquilamente o exercício do poder a um pequeno corpo especializado de políticos e funcionários profissionais. Mas é letal para o proletariado, que não pode confiar em tais especialistas. É necessário aprender por si mesmo, cometer erros e corrigi-los, tomar decisões e colocá-las em prática, e nesse processo transforma a si mesmo ao fazê-lo. A lógica do proletariado não é a delegação do poder, mas a participação direta no seu exercício.
Em abril de 1918 a revolução chegou a uma encruzilhada: enquanto a revolução mundial tardava a chegar, a invasão imperialista ameaçava esmagar o baluarte soviético. Todo o país estava mergulhado no caos, (...) a organização administrativa e econômica declinava em proporções alarmantes. O perigo não vinha tanto da resistência organizada, mas do colapso de toda autoridade. O apelo a destroçar a organização estatal burguesa que se incitava em ‘O Estado e a Revolução’ resultava agora singularmente anacrônico, já que esta parte do programa revolucionário havia triunfado para além do esperado” [7].
O Estado soviético deparava-se com questões dramáticas: constituição a toda pressa do Exército Vermelho, garantir-lhe um fornecimento regular, organizar a rede de transportes, retomar a produção, assegurar o abastecimento alimentício às cidades famintas, organizar a vida social. Tudo isto devia ser feito em meio à sabotagem total de empresários e gerentes, o que obrigou o confisco generalizado de indústrias, bancos, comércios, etc. Isto supunha um desafio adicional para o poder soviético. Um debate apaixonado estourou no Partido e nos Sovietes. Havia acordo quanto a resistir militar e economicamente até o estouro da revolução proletária em outros países e principalmente na Alemanha. A divergência centrou-se em como organizar essa resistência: a partir do Estado, reforçando seu mecanismo, ou a partir do desenvolvimento da organização e da capacidade das massas operárias? Lênin encabeçou a primeira posição, enquanto as tendências de esquerda dentro do Partido Bolchevique encarnaram a segunda.
No folheto As tarefas imediatas do poder soviético, Lênin (...) argumentava que a tarefa principal era reconstruir uma economia exaurida, impor a disciplina do trabalho e incrementar a produtividade, assegurar uma contabilidade rigorosa e o controle do processo de produção, eliminando a corrupção e o desperdício, e, talvez acima de tudo isso, lutar contra uma mentalidade pequeno burguesa muito disseminada (...). Não hesitou em propor o que ele mesmo tinha definido como métodos burgueses, incluindo: a utilização de técnicos especialistas burgueses, o trabalho por peças, a adoção do ‘taylorismo’ (...) Lênin propôs a ‘Gerência unipessoal’ insistindo em que: ‘a subordinação incontestável a uma só pessoa será absolutamente necessária’” [8].
Por que Lênin defendeu esta orientação? Uma causa era a inexperiência – o poder soviético enfrentava tarefas gigantescas e urgentes sem respaldo de uma experiência e uma reflexão teórica prévias; outra era a situação desesperada e insustentável que descrevemos. Mas temos igualmente que avaliar que Lênin estava sendo vítima da lógica estatal e burocrática e gradualmente estava se convertendo em seu intérprete. Isso o impelia a depositar sua confiança na intervenção dos velhos técnicos, administradores e funcionários, educados no capitalismo e, por outro lado, nos sindicatos, encarregados de disciplinar os trabalhadores, de torná-los passivos, reprimindo suas iniciativas e sua mobilização independente, atando-os à divisão capitalista do trabalho com a mentalidade corporativa e estreita que isso comporta.
Os adversários da Esquerda denunciaram esta concepção segundo a qual: “A forma de controle estatal das empresas vai no sentido da centralização burocrática, do império de vários comissariados, da eliminação da independência dos Sovietes locais e da rejeição, na prática, do tipo de Estado-Comuna governado de baixo (...). A introdução da disciplina do trabalho junto com a restauração da liderança capitalista na produção não vai incrementar a produtividade do trabalho e reduzirá a autonomia dos trabalhadores, a atividade e o grau de organização do proletariado” [9].
Como denunciou a Oposição Operária: (...) considerando o estado catastrófico de nossa economia que ainda repousa no sistema capitalista (pagamento de trabalho com dinheiro, tarifas, categorias de trabalho, etc.) as elites de nosso partido buscam a salvação do caos econômico, desconfiando da capacidade criativa dos trabalhadores, nos sucessores do passado capitalista burguês, em pessoas de negócios e técnicos, cuja capacidade criativa está corrompida no terreno da economia pela rotina, pelos hábitos e métodos de produção e direção econômica ao modo capitalista” [10].
Longe de avançar em direção a sua extinção, o Estado se reforçava de maneira alarmante: (...) um professor branco que chegou a Omsk vindo de Moscou no outono de 1919 contava que à frente de muitos centros e dos glavki se encontram os antigos patrões, funcionários e diretores. Visitando os centros, quem conhecesse pessoalmente o velho mundo dos negócios, comercial e industrial, se surpreenderia ao ver os antigos proprietários de grandes indústrias de couro nos Glavkozh, os grandes fabricantes nas organizações têxteis centrais” [11].
Neste debate do Soviete de Petersburgo em março de 1919, Lênin reconheceu que: “Expulsamos antigos burocratas, mas eles voltaram com a falsa etiqueta de comunistas quando apenas sabem soletrar essa palavra; colocam um distintivo vermelho na lapela para assegurar a sinecura” [12].
O crescimento da burocracia soviética acabou esmagando os sovietes. De 114.529 empregados em junho de 1918 se passou para 529.841 um ano depois, mas em dezembro de 1920, a cifra era de 5.820.000! A razão de Estado se impunha implacavelmente à razão do combate revolucionário pelo comunismo, “as considerações estatais de caráter geral começam a surgir no fundo contra os interesses de classe dos trabalhadores” [13].
A absorção do Partido Bolchevique pelo Estado
O Estado ao se reforçar, acabou absorvendo o Partido Bolchevique. Este, em princípio, não pretendia se converter num partido estatal. Segundo dados de fevereiro de 1918, o Comitê Central dos bolcheviques tinha apenas 6 empregados administrativos, enquanto o Conselho de Comissários tinha 65 e os Sovietes de Petersburgo e Moscou tinham mais de 200.
“As organizações bolcheviques dependiam da ajuda financeira que pudessem obter dos sovietes locais e no geral sua dependência era completa. Bolcheviques destacados como Preobrajensky sugeriram que o Partido aceitasse se dissolver completamente para se fundir ao aparato soviético”.
O autor Leonard Schapiro reconhece que “os melhores quadros do partido haviam se integrado no aparato central e local dos Sovietes”. Muitos bolcheviques consideravam que “os comitês locais do Partido não são mais que as seções de propaganda dos Sovietes locais” [14]. Os bolcheviques tiveram dúvidas inclusive sobre a idoneidade de exercer o poder à frente dos Sovietes.
“Nos dias seguintes à insurreição de Outubro, quando estava se formando o pessoal do governo dos Sovietes, Lênin teve uma vacilação momentânea sobre aceitar o posto de presidente do Conselho de Comissários do Povo. Sua intuição política lhe dizia que isso poderia frear sua capacidade para atuar como ‘vanguarda da vanguarda,’ ou seja, a esquerda do partido revolucionário, como tinha sido claramente entre abril e outubro de 1917” [15].
Os bolcheviques tampouco buscavam o monopólio do poder, visto que compartilharam o primeiro Conselho de Comissários do Povo com os socialistas revolucionários de esquerda. Inclusive certas deliberações do Conselho estavam abertas aos delegados dos mencheviques internacionalistas e anarquistas.
Se, a partir de julho de 1918, o governo torna-se definitivamente bolchevique foi pela sublevação dos socialistas revolucionários de esquerda opostos à criação de Comitês de Camponeses pobres.
“Em 6 de julho, dois jovens tchekistas militantes do partido socialista revolucionário de esquerda assassinaram o embaixador alemão (...). Um destacamento tchekista, comandado pelo militante SR de esquerda Popov, procedeu a várias prisões de surpresa, entre elas as dos dirigentes da Checa Dzerjinsky e Latsis, o presidente do Soviete de Moscou, Smidovitch, e o comissário do povo para Correios, Podbielsky. Tomou os edifícios centrais da Tcheka e dos Correios” [16].
Como consequência disso, o Partido se viu invadido por toda classe de oportunistas e arrivistas, por antigos funcionários, czaristas ou dirigentes mencheviques reconvertidos. Noguin, um velho bolchevique, (...) expressava o horror que lhe inspiravam a embriaguez, a libertinagem, a corrupção, os casos de roubo e de comportamento irresponsável que se encontrava entre muitos efetivos do Partido. Verdadeiramente diante de tal espetáculo os cabelos se arrepiam” [17].
Zinoviev contou diante do Congresso do Partido de março de 1918 a anedota de um militante que recebe um novo adepto ao qual diz que volte no dia seguinte para retirar o carnê, ao que este lhe responde: “não, camarada, eu preciso dele de imediato para obter um lugar no escritório”.
Como assinala Marcel Liebman: (...) se tantos homens que não tinham de comunista mais que o nome tentavam penetrar nas fileiras do partido, era porque este havia se convertido no centro do poder, na instituição mais influente da vida social e política, a que reunia a nova elite, selecionava os quadros e os dirigentes e constituía o instrumento e o canal de ascensão social e de êxito”, ao que acrescenta que, enquanto um partido burguês olha para tudo isso sem o menor escrúpulo, ao contrário, “para os bolcheviques era um sinal de surpresa e preocupação” [18].
O partido tentou combater esta onda realizando numerosas campanhas de depuração. Mas eram medidas impotentes porque não atacavam a raiz do fenômeno, qual seja, a fusão do Partido com o Estado que avançou sem remédio. Isso acontecia paralelamente a outra perigosa identificação: a do Partido com a nação russa. O Partido proletário é internacional e sua seção no país ou países onde o proletariado ocupou um bastião não pode se identificar com a nação, mas única e exclusivamente com a revolução mundial.
A transformação do bolchevismo em um Partido-Estado acabou sendo teorizada com a tese de que o Partido exerce o poder em nome da classe, Ditadura do Proletariado é igual à Ditadura do Partido [19], o que o desarmou teórica e politicamente e precipitou-o com mais força nos braços do Estado. No VIII Congresso do Partido (março de 1919), em uma resolução foi acordado que lhe incumbe (...) assegurar-se da dominação política completa no seio dos Sovietes e o controle prático de todas suas atividades” [20]. Isto se concretizou nos meses seguintes com a formação de células do Partido em todos os Sovietes para controlá-los. Kamenev proclamou que (...) o partido comunista é o governo da Rússia. São seus 600 mil membros que governam o país” [21]. A cereja foi colocada por Zinoviev no II Congresso da Internacional Comunista (1920): (...) todo operário consciente deve compreender que a ditadura da classe operária não pode ser realizada mais que pela ditadura de sua vanguarda, quer dizer, pelo partido comunista” [22] e por Trotsky no X Congresso do Partido (1921) onde, em resposta à Oposição Operária, exclamou: (...) como se o partido não tivesse direito de afirmar sua ditadura ainda que essa ditadura se choque passageiramente com o humor instável da democracia operária! O partido tem direito de manter sua ditadura sem levar em conta as vacilações temporárias da classe operária. A ditadura não se funda a todo momento no princípio formal da democracia operária” [23].
O Partido Bolchevique se perdeu como vanguarda do proletariado. Não foi ele quem utilizou o Estado em benefício do proletariado, mas foi o Estado quem fez do Partido o aríete contra o proletariado. Como denunciou a “Plataforma dos 15”, grupo de oposição dentro do Partido surgido no final dos anos 1920: “A burocratização do partido, o extravio de seus dirigentes, a fusão do aparato do partido com a burocracia governamental, a redução da influência do elemento operário do partido, a intromissão do aparato governamental nas lutas internas do partido... tudo isso põe em evidência que o Comitê Central já ultrapassou, com sua política, a etapa de amordaçar o partido e já começou a de sua liquidação, transformando-o em um aparato auxiliar do Estado. Esta liquidação significa o fim da ditadura do proletariado na URSS” [24].
A necessidade da organização autônoma do proletariado frente ao Estado de transição
Como poderia o proletariado na Rússia dar uma virada na correlação de forças, revitalizar os Sovietes, pôr nos trilhos o Estado surgido depois da revolução, abrindo caminho à sua extinção efetiva e avançar no processo revolucionário mundial em direção ao comunismo?
Esta pergunta só poderia ser respondida com o desenvolvimento da revolução mundial. “Na Rússia o problema somente poderia ser colocado. Não poderia ser resolvido” [25]. “Enquanto na Europa é muitíssimo mais difícil começar a revolução, na Rússia é incomensuravelmente mais fácil começá-la, mas será mais difícil continuá-la” [26].
Dentro do marco da luta pela revolução mundial havia na Rússia duas tarefas concretas: Recuperar o Partido para o proletariado, arrancando-o das garras do Estado e organizar o proletariado em Conselhos Operários capazes de dirigir os Sovietes. Trataremos aqui somente do segundo ponto.
O proletariado deve se organizar à margem do Estado de transição e deve exercer sua ditadura sobre ele. Isto pode parecer uma besteira para os que se fixam em fórmulas fáceis e próprias do silogismo, segundo as quais o proletariado é a classe dominante e o Estado não pode ser outra coisa que seu órgão mais fiel. Em O Estado e a Revolução, refletindo sobre a Crítica ao programa de Ghota feita por Marx em 1875, Lênin aponta: “Em sua primeira fase, em seu primeiro degrau, o comunismo não pode apresentar ainda uma maturidade econômica completa, não pode aparecer ainda completamente livre das tradições ou dos vestígios do capitalismo. Daí decorre um fenômeno tão interessante como a subsistência do ‘estreito horizonte do direito burguês’ sob o comunismo, em sua primeira fase. O direito burguês sobre a distribuição dos artigos de consumo pressupõe também inevitavelmente, como é natural, um Estado burguês, pois o direito não é nada sem um aparato capaz de obrigar a que se respeitem as normas daquele. Donde se deduz que sob o comunismo não só subsiste durante certo tempo o direito burguês, senão que subsiste inclusive o Estado burguês, sem burguesia!” [27].
O Estado do período de transição ao comunismo [28] é um “Estado burguês sem burguesia” [29], ou para falar mais precisamente, é um estado que conserva importantes características da sociedade de classes e da exploração: subsistem o direito burguês [30], a lei do valor, persiste a influência espiritual e moral do capitalismo, etc.. A sociedade de transição se assemelha em muitos aspectos à velha sociedade, mas sofreu uma mudança fundamental que é a que deve ser preservada e se desenvolver a todo custo, pois é a única coisa que pode levar ao comunismo: a atividade de massa, consciente e organizada da grande maioria da classe operária, sua organização em classe politicamente dominante, a ditadura do proletariado.
A trágica experiência russa mostra que a organização do proletariado em classe dominante não pode se transformar no Estado transitório (o Estado soviético), (...) a própria classe operária enquanto classe, considerada unitariamente e não como uma unidade social difusa, com necessidades de classe unitárias e semelhantes, com tarefas e interesses unívocos e com uma política semelhante, consequente, formulada de modo claro e completo, joga cada vez um papel político de menor importância na república dos Sovietes” [31].
Os Sovietes eram o Estado-Comuna de que falava Engels como associação política das classes populares. Este Estado-Comuna cumpre um papel imprescindível na repressão da burguesia, na guerra defensiva contra o imperialismo e na manutenção de uma mínima coesão social, mas não tem nem pode ter como horizonte a luta pelo comunismo. Isto já foi vislumbrado por Marx. No esboço de A Guerra Civil na França, argumenta: “(...) a Comuna não é o movimento social da classe operária e, portanto, de uma regeneração geral da mentalidade dos homens. A Comuna não se desfez da luta de classes, através da qual a classe operária empurra na direção da abolição de todas as classes e, portanto, de todas as dominações de classe” [32].
Ademais, A História da Comuna de Paris, de Lissagasray, “inclui muitas críticas das dúvidas e confusões e, em alguns casos, das poses afetadas de alguns dos membros do Conselho da Comuna, muitos dos quais encarnavam efetivamente o radicalismo pequeno-burguês obsoleto, e que foram frequentemente postos de lado pelas assembleias dos bairros operários. Ao menos um dos clubes revolucionários declarou dissolvida a Comuna porque não era revolucionária o bastante!” [33].
“O Estado se encontra em nossas mãos, mas cumpriu nossa vontade? Não. Que vontade cumpriu? A máquina não obedecia a mão que a guiava. Parece um carro que não vai na direção que o motorista deseja, mas na direção que outra pessoa quer. Como se fosse dirigido por uma mão misteriosa, clandestina” [34].
Para remediar este problema, o Partido Bolchevique propôs uma série de medidas. Por um lado, a constituição soviética aprovada em 1918 determinou que: “O Congresso dos Sovietes de toda Rússia seja formado por representantes dos sovietes locais, estando representadas as cidades na proporção de um deputado para cada 25.000 habitantes e o campo na proporção de um deputado para cada 125.000 habitantes. Este artigo consagra a hegemonia do proletariado sobre os elementos rurais” [35].
Por outro lado, o programa do Partido Bolchevique, adotado em 1919, preconizava que: “1) Cada membro do Soviete deve assumir um trabalho administrativo; 2) Deve haver uma contínua rotação de postos, cada membro do Soviete deve ganhar experiência nos distintos ramos da administração; Aos poucos, o conjunto da classe trabalhadora deve ser induzido a participar nos serviços administrativos” [36].
Estas medidas estavam inspiradas nas lições da Comuna de Paris. Serviam para refrear os funcionários estatais, mas o problema estava em quem as executava: somente a organização autônoma do proletariado estava capacitada para isso, seus Conselhos Operários organizados à margem do Estado” [37].
O marxismo é uma teoria viva, necessita adotar, à luz dos fatos históricos, retificações e novos aprofundamentos. Seguindo as lições tiradas por Marx e Engels sobre a Comuna de Paris de 1871, os bolcheviques compreenderam que os Sovietes são a expressão do Estado-Comuna que devia ir se extinguindo. Mas, ao mesmo tempo, tinham-no identificado erroneamente como Estado Proletário [38], acreditando que sua extinção poderia ser realizada desde o seu interior [39]. A experiência da Revolução Russa demonstra a impossibilidade de extinguir o Estado a partir dele mesmo e torna necessário fazer a distinção entre Conselhos Operários e Sovietes, os primeiros são a sede da autêntica organização autônoma do proletariado que deve exercer sua ditadura de classe sobre o Estado-Comuna transitório que se baseia nos segundos.
Depois da tomada do poder pelos Sovietes, o proletariado tinha que conservar e desenvolver suas próprias organizações que atuavam de forma independente dentro dos Sovietes: Guarda Vermelha, Conselhos de Fábrica, Conselhos de Bairro, Seções Operárias dos Sovietes, Assembleias Gerais.

Os Conselhos de Fábrica, coração da organização da classe operária
Mesmo antes da tomada do poder, vimos que os Conselhos de Fábrica tinham jogado um papel chave diante da crise que sofreram os Sovietes em julho [40] e como os tinham recuperado, convertendo-os em órgãos da insurreição de outubro [41]. Em maio de 1917, a Conferência de Conselhos de Fábrica de Jarkov (Ucrânia) tinha afirmado que estes (...) se converteram em órgãos da revolução, determinados a consolidar suas vitórias” [42]. No período de 7 a 12 de agosto de 1917, uma conferência de Conselhos de Fábrica de Petersburgo decidiu criar um Soviete Central de Conselhos de Fábrica, que se constituiu como Seção Operária dentro do Soviete da capital e imediatamente coordenou todas as organizações soviéticas de base e interveio ativamente na política do Soviete, radicalizando-a cada vez mais. Deutscher, em sua obra Os sindicatos soviéticos reconhece que: (...) os instrumentos mais poderosos e mortíferos de subversão eram os conselhos de fábrica e não os sindicatos” [43].
Os Conselhos de Fábrica, junto com as demais organizações de base, emanavam da classe operária de forma direta e orgânica, recolhiam com muito mais facilidade que os Sovietes seus pensamentos, suas tendências, seus avanços, mantinham uma profunda simbiose com ela.
Como o proletariado segue sendo uma classe explorada no período de transição ao comunismo, não tem nenhum status de classe dominante no terreno econômico. Isso o impede – ao contrário da burguesia – de delegar o poder em uma estrutura institucional que exerça sua representação, quer dizer, em um Estado com sua irresistível tendência burocrática a distanciar-se das massas e impor-se a elas. A ditadura do proletariado não pode ser um órgão estatal, mas uma força de combate, de debate e mobilização permanentes, um cenário que reflita as massas operárias em vez de moldá-las, que expresse simultaneamente sua auto-atividade e seu processo de transformação.
Mostramos no 4º artigo desta série como depois da tomada do poder, essas organizações soviéticas de base foram desaparecendo. Isso constituiu um fato trágico que debilitou o proletariado e acelerou o processo de decomposição social que estava sofrendo.
A Guarda Vermelha, nascida efemeramente em 1905, renasceu com força em fevereiro, impulsionada e supervisionada pelos Conselhos de Fábrica, chegando a mobilizar uns 100 efetivos. Manteve-se ativa até meados de 1918, mas a eclosão da guerra civil levou-a a uma grave crise. A potência enormemente superior dos exércitos imperialistas pôs em evidência sua incapacidade para fazer-lhes frente. As unidades do Sul da Rússia, comandadas por Antonov Ovseenko, opuseram uma heróica resistência, mas foram varridas e derrotadas. Vítimas do medo da centralização, as unidades que tentaram funcionar careciam de suprimentos tão elementares como cartuchos. Eram mais uma milícia urbana, com instrução e armamento limitados e sem experiência de organização, que podiam funcionar como unidades de emergência ou como auxiliares de um exército organizado, mas que não podiam fazer frente a uma guerra em grande escala. A urgência do momento obrigou a que se formasse com toda pressa o Exército Vermelho com sua rígida estrutura militar [44]. Este absorveu numerosas unidades da Guarda Vermelha que acabaram se dissolvendo. Até finais de 1919 houve tentativas de reconstituir a Guarda Vermelha. Houve, de fato, Sovietes que se ofereceram para coordenar suas unidades com o Exército, mas este as rechaçou sistematicamente e inclusive as dissolveu pela força.
O desaparecimento da Guarda Vermelha outorgou ao Estado soviético um dos atributos clássicos do Estado – o monopólio da força armada. Com isso, o proletariado ficava completamente indefeso, pois carecia de uma força militar própria.
Os Conselhos de Bairro desapareceram no final de 1919. Integravam na organização proletária os trabalhadores das pequenas empresas e comércios, os desempregados, jovens, aposentados, familiares, que formavam parte da classe operária como conjunto. Eram igualmente um meio essencial para realizar paulatinamente a incorporação ao pensamento e à ação proletária de camadas de marginalizados urbanos, pequenos camponeses, artesãos, etc.
Mas o desaparecimento dos Conselhos de Fábrica significou o golpe decisivo. Como vimos no 4º artigo desta série, ele ocorreu de forma bastante rápida e de tal maneira que no final de 1918 já não existiam. Os sindicatos desempenharam um papel chave em sua destruição.
O conflito apareceu claramente em uma animadíssima Conferência de Conselhos de Fábrica de toda a Rússia, celebrada nas vésperas da insurreição de outubro. Nos debates manifestou-se que: (...) quando se formaram os conselhos de fábrica os sindicatos deixaram de existir, os conselhos preencheram o vazio”.
Um delegado anarquista disse: (...) os sindicatos querem engolir os conselhos de fábrica, mas não há descontentamento popular com eles embora haja com os sindicatos. Para o operário, o sindicato é uma forma de organização imposta a partir de fora, enquanto o Conselho de Fábrica está muito perto deles”.
Entre as resoluções aprovadas pela conferência, uma dizia: (...) o controle operário só é possível em um regime onde a classe operária tenha o poder econômico e político (...) desaconselham-se as atividades isoladas e desorganizadas (...), e destaca que o confisco das fábricas pelos operários e seu funcionamento em proveito próprio é incompatível com os objetivos do proletariado” [45].
No entanto, os bolcheviques eram prisioneiros do dogma que os sindicatos são os órgãos econômicos do proletariado e no conflito entre estes e os conselhos de fábrica, tomaram partido pelos primeiros. Na conferência antes mencionada, um delegado bolchevique defendeu que: (...) os conselhos de fábrica deviam exercer funções de controle em benefício dos sindicatos e deviam, ademais, depender financeiramente deles” [46].
Em 3 de novembro de 1917, o Conselho de Comissários do Povo submeteu um projeto de decreto sobre o controle operário, estipulando que as decisões dos conselhos de fábrica (...) podiam ser anuladas pelos sindicatos e pelos congressos sindicais” [47]. Isto gerou vivos protestos dos Conselhos de Fábrica e de membros do partido. No final, o projeto foi modificado e no Conselho de Controle Operário foi admitida uma representação de 5 delegados dos Conselhos de Fábrica para 21 delegados, 10 dos quais procediam dos sindicatos! Isto colocou os Conselhos de Fábrica em posição de debilidade, além de encerrá-los na lógica da gestão produtiva, o que os tornava ainda mais vulneráveis aos sindicatos.
Embora o Soviete de Conselhos de Fábrica tenha seguido ativo durante alguns meses, chegando a tentar realizar um Congresso Geral (ver o 4º artigo de nossa série), os sindicatos conseguiram que se dissolvesse. O II Congresso Sindical, celebrado entre 25 e 27 de janeiro de 1919, deu reconhecimento afirmando que se desse: (...) estatuto oficial às prerrogativas dos sindicatos na medida em que suas funções são cada vez mais extensas e se confundem com as do aparato governamental de administração e controle estatais” [48].
Com o desaparecimento dos Conselhos de Fábrica, (...) na Rússia soviética de 1920, os operários estavam de novo submetidos à autoridade da direção, à disciplina do trabalho, aos estímulos do dinheiro, ao ‘scientific management’, a todas as formas tradicionais de organização industrial, aos velhos diretores burgueses, com a diferença de que o proprietário agora era o Estado” [49], os operários ficaram completamente atomizados como indivíduos, não tinham nenhuma organização própria que lhes aglutinasse. Com isso, sua participação nos Sovietes foi se assemelhando ao eleitoralismo da democracia burguesa e convertia-os em câmaras parlamentares.
Depois da revolução, a abundância não existia ainda e a classe operária seguiu sendo uma classe explorada, mas a marcha para o comunismo exige uma luta sem descanso para diminuir a exploração até fazê-la desaparecer [50]. Como dissemos na série "O comunismo não é um belo ideal": “Para poder manter seu caráter político coletivo, a classe operária necessita assegurar minimamente suas necessidades materiais básicas, para assim poder dispor de tempo e de energia que requer a sua participação na atividade política” [51].
Marx dizia que: “Se [os proletários] em seus conflitos diários com o capital cedessem covardemente, sem dúvida se desqualificariam para empreender movimentos de maior envergadura” [52].
Se o proletariado, uma vez tomado o poder, aceitasse o crescimento constante da exploração, ficaria incapacitado em continuar o combate pelo comunismo.
Isto foi o que ocorreu na Rússia revolucionária, a exploração da classe operária aumentou até limites extremos, sua desorganização como classe autônoma correu em paralelo; ao fracassar a extensão mundial da revolução, este processo tornou-se irreversível; com isso, a lição tirada pelo grupo Verdade Operária [53] expressava claramente a situação: (...) a revolução acabou com uma derrota da classe operária. A burocracia junto com os homens da NEP se converteu na nova burguesia que vive da exploração dos operários e se aproveita da sua desorganização. Com os sindicatos nas mãos da burocracia, os operários estão mais desamparados do que nunca. O Partido Comunista, depois de se converter em partido dirigente, em partido dos dirigentes e organizadores do aparelho do Estado e da atividade econômica de tipo capitalista, perdeu irrevogavelmente todo vínculo e parentesco com o proletariado” [54].
C. Mir 28-12-10


[1] Ver os artigos publicados sobre o tema “O Período de Transição”, Revista Internacional nº 1; "O Estado e a Ditadura do proletariado", Revista Internacional nº 11. (Acessar esses artigos no link: <http://pt.internationalism.org/ICConline/2010/per%C3%ADodo_de_transi%C3%A7cao_do_capitalismo_ao_comunismo> . Ver também os artigos de nossa série "O comunismo não é um belo ideal", Revista Internacional nºs 77, 78, 91, 95, 96, 99, 12 a 130, 132, 134 e 135. Links: < http://es.internationalism.org/series/365>; < http://es.internationalism.org/series/364>; < http://es.internationalism.org/series/228>
[2] Bilan, Órgão da Fração da Esquerda Comunista da Itália. A citação procede da série "Partido-Estado-Internacional", capítulo 7, Bilan nº 18, p. 612. Bilan deu prosseguimento aos trabalhos de Marx, Engels e Lênin sobre a questão do Estado e, mais concretamente, sobre seu papel no período de transição ao comunismo, tendo considerado – conforme Engels – “(...) uma praga que enreda o proletariado diante da qual guardamos uma desconfiança quase instintiva.” (nº 26, p. 874). No mesmo sentido se pronuncia a Esquerda Comunista da França, continuadora de Bilan e precursora da CCI: “(...) a temível ameaça da volta ao capitalismo procederá essencialmente do setor estatizado. Tanto mais quanto o capitalismo encontra-se nesta sua forma mais impessoal, por assim dizer etérea. A estatização pode servir para camuflar por longo tempo um processo oposto ao socialismo” (Internacionalisme nº 10) Tradução nossa.
[3] Tendência de esquerda que surgiu no Partido Bolchevique em 1920-21. Não é objeto deste artigo analisar as diferentes frações de esquerda que surgiram dentro do Partido Bolchevique em resposta a sua degeneração. Remetemos o leitor aos numerosos artigos que temos escrito sobre o tema. Entre eles: ‘“A Esquerda Comunista na Rússia” (1ª e 2ª parte), Revista Internacional nºs 8 e 9, <http://es.internationalism.org/revista-internacional/197701/1996/la-izquierda-comunista-en-rusia-i>, “Manifesto do Grupo Operário do Partido Comunista Russo,” Revista Internacional nºs 142 e 143,<es.internationalism.org/revista-internacional/201008/2908/la-izquierda-comunista-en-rusia-i-el-manifiesto-del-grupo-obrero-d>A citação foi tomada do livro Democracia dos Trabalhadores ou Ditadura do Partido, texto “Que é a Oposição Operária?”, p. 179, edição espanhola. É preciso sublinhar que embora a Oposição Operária constatasse de maneira meritória e lúcida os problemas que a revolução tinha, a alternativa que preconizava não era a adequada, mas aprofundava-os ainda mais. Pretendia que os sindicatos tivessem cada vez mais poder. Partindo da ideia justa de que “(...) o aparato dos sovietes é um composto de diversas camadas sociais” (p. 177, op. cit.), conclui pela necessidade de que “(...) as rédeas da ditadura do proletariado no terreno da construção econômica devem ser os órgãos que por sua composição são órgãos de classe, unidos por laços vitais com a produção de um modo imediato, quer dizer, os sindicatos.” (ibid) Tradução nossa. Por um lado, restringe a atividade do proletariado ao estreito terreno da “construção econômica” e, por outro, órgãos burocráticos e negadores das capacidades do proletariado, os sindicatos, teriam a utópica missão de desenvolver sua auto-atividade.
[4] Do livreto Os bolcheviques e o controle operário, de M. Brinton, “Introdução”, p. 17, edição espanhola. Todas as traduções das obras editadas em línguas estrangeiras foram feitas por nós.
[5] Citação tomada do livro de Marcel Liebman, O leninismo sob Lênin, p. 167, edição francesa. Ver referência desta obra no 4º artigo desta série.
[6] E.H.Carr, A Revolução bolchevique, Cap. VIII, "A ascendência do partido", p. 203, edição espanhola.
[7] Ibidem, nota A, "A teoria de Lênin sobre o Estado", p. 264, edição espanhola.
[8] "A compreensão da derrota da Revolução Russa" (1ª parte), Revista Internacional nº 99, http://es.internationalism.org/rint99-comunismo.
[9] Ossinsky, membro de uma das primeiras tendências de esquerda dentro do Partido, citado no artigo mencionado anteriormente.
[10] Op. cit., p. 181.
[11] Brinton, op. cit., ver nota 7, Capítulo dedicado a 1920, p. 121. Os Glavki eram os órgãos econômicos de gestão estatal.
[12] Obras Completas, tomo 38, p. 17, edição espanhola, "Intervenções na sessão do Soviete de Petersburgo", março 1919.
[13] Oposição Operária, op. cit., p. 213.
[14] Marcel Liebman, op. cit., p. 109.
[15] Artigo antes citado da Revista Internacional nº 99. Lênin temia, não sem razão, que se o partido e seus membros mais avançados se comprometessem no dia a dia do governo soviético, acabariam presos nas engrenagens deste e perderiam de vista os objetivos globais do movimento proletário que não podem estar atados a contingências cotidianas da gestão estatal. Esta preocupação foi retomada pelos comunistas de esquerda que “(...) expressaram em 1919 o desejo de acentuar a distinção entre o Estado e o Partido. Parecia-lhes que este tinha mais que aquele uma preocupação internacionalista que respondia a sua própria inclinação. O Partido devia desempenhar em certa medida o papel de consciência do governo e do Estado.” (Liebman, op. cit., p. 112). Bilan insiste no perigo de que o Partido fosse absorvido pelo Estado. Com isso a classe operária perde sua força de vanguarda e os órgãos soviéticos seus principais animadores. “A confusão entre ambos os conceitos, partido e Estado, é contraproducente, visto que não existe possibilidade alguma de conciliação entre ambos os órgãos, já que existe uma oposição irreconciliável entre a natureza, a função e os objetivos do Estado, e os do partido. O qualificativo de proletário não muda absolutamente em nada a natureza do Estado, que segue sendo um órgão de coação econômica e política, enquanto que o papel que, por excelência, corresponde ao partido é o de alcançar, não pela coação, mas pela educação política, a emancipação dos trabalhadores.” (Bilan nº 26, série "Partido-Estado-Internacional", 5ª parte, p. 871).
[16] Tomado do livro Trotsky, de Pierre Broué, p. 255, edição francesa que cita o relato do autor Leonard Schapiro.
[17] Marcel Liebman, op. cit., p. 149.
[18] Ibidem, p. 151.
[19] Esta teorização fincava suas raízes em confusões que todos os revolucionários arrastavam sobre o Partido, suas relações com a classe e a questão do poder, como assinalamos no artigo de nossa série "O comunismo não é um belo ideal" na Revista Internacional nº 91, "Os revolucionários da época, apesar de seu compromisso com o sistema de delegação dos Sovietes que tinha tornado obsoleto o velho sistema de representação parlamentar, viam-se empurrados para trás pela ideologia parlamentar, até o ponto de considerar que o partido que dispunha da maioria nos sovietes centrais, devia formar o governo e administrar o estado”. Na verdade, as velhas confusões foram fortalecidas e levadas ao extremo pela teorização da realidade cada vez mais evidente da transformação do bolchevismo num Partido-Estado.
[20] Marcel Liebman, op. cit., p. 109.
[21] Ibidem, p. 110.
[22] Ibidem.
[23] Citado no livreto de Brinton (ver nota 7), p. 138, capítulo "1921". Trotsky tem razão sobre a classe passar por momentos de confusão e vacilação e que, ao contrário, o Partido, ao dotar-se de um rigoroso marco teórico e programático logra uma fidelidade aos interesses históricos da classe que deve transmitir-lhe. Mas isto não pode ser feito mediante uma ditadura sobre o proletariado que a única coisa que faz é debilitá-lo e aumentar sua divisão e vacilações.
[24] A “Plataforma do Grupo dos 15” foi inicialmente publicada fora da Rússia pelo ramo da Esquerda Comunista Italiana que publicava Réveil Communiste no final dos anos 20. Apareceu em 1928, em alemão e francês, sob o título Nas vésperas do Thermidor, revolução e contrarrevolução na Rússia dos Sovietes, Plataforma da Oposição de Esquerda no Partido Bolchevique (Sapronov, Smirnov, Obhorin, Kalin, etc.).
[25] Rosa Luxemburgo, A Revolução Russa.
[26] Lênin, Obras Completas, tomo 36, edição espanhola, p. 11, "Informe político do Comitê Central diante do VII Congresso do Partido" (7 de março de 1918).
[27] Cap. V, parte 4ª, "A fase superior da sociedade comunista", p. 375.
[28] Lênin, seguindo Marx, emprega inapropriadamente o termo “fase inferior do comunismo”, quando na verdade uma vez destruído o Estado burguês, estamos ainda sob “um capitalismo com a burguesia derrotada” pelo que achamos muito mais exato falar de “período de transição do capitalismo ao comunismo.”
[29] Em A Revolução traída, Trotsky reitera a mesma ideia, falando do caráter “dual” do Estado, “socialista”, por um lado, mas ao mesmo tempo “burguês sem burguesia”, por outro. Ver nosso artigo da série "O comunismo não é um belo ideal" na Revista Internacional, nº 105.
[30] Como dizia Marx, na Crítica do Programa de Gotha, impera o princípio de "a trabalho igual salário igual", que não tem nada de socialista.
[31] Alexandra Kollontai, "Intervenção no X Congresso do Partido", op. cit., p. 171, edição espanhola. Vai no mesmo sentido, Anton Ciliga, em sua obra No país da grande mentira: “O que separa a Oposição de Trotsky é qual papel ela atribui ao proletariado na revolução. Para os trotskistas é o partido, para a extrema esquerda o verdadeiro agente da revolução é a classe operária. Nas lutas entre Stálin e Trotsky, tanto no que se refere à política do partido como com relação à direção pessoal deste, o proletariado apenas representou o papel de um sujeito passivo. Aos grupos de comunistas de extrema esquerda, ao contrário, o que nos interessa são as condições reais da classe operária, o papel que realmente tem na sociedade soviética, e o que deveria assumir numa sociedade que se coloque verdadeiramente a tarefa da construção do socialismo.” (citado na Revista Internacional nº 102, ver nota 28).
[32] Citado no artigo "1871, a primeira ditadura do proletariado", Revista Internacional, nº 77.
[33] Ibid.
[34] Lênin, Obras Completas, tomo 45, p. 93, edição espanhola, "Informe político do Comitê Central ao XI Congresso" (27 de março de 1922).
[35] Victor Serge, O ano 1 da revolução russa, p. 320, edição espanhola, capítulo 8, texto "A Constituição soviética".
[36] Lênin, Obras Completas, tomo 38, p. 102, 23 de fevereiro de 1919, "Rascunho do Projeto de Programa do Partido Comunista Bolchevique", capítulo "As tarefas fundamentais da Ditadura do Proletariado na Rússia", ponto 9.
[37] Em sua carta para a República de Conselhos Operários da Baviera, que durou apenas 3 semanas (foi esmagada pelas tropas do governo socialdemocrata em maio de 1919), Lênin parece apontar para a organização independente dos Conselhos Operários: “A aplicação com maior prontidão e em maior escala, destas e outras medidas semelhantes, conservando os conselhos de operários e braçais e, em organismos apartados, os dos pequenos camponeses, sua própria iniciativa.” (Obras Completas, tomo 38, p. 344, edição espanhola, 27 de abril de 1919).
[38] Nesta questão, Lênin manifestou, no entanto, dúvidas, pois em mais de uma ocasião assinalou com justeza que era um “Estado operário e camponês com deformações burocráticas” e, por outro lado, no debate sobre os sindicatos (1921) argumentou que o proletariado se organizava em sindicatos e tinha direito de greve para se defender de “seu” Estado.
[39] Para combater o crescente alheamento e antagonismo do Estado soviético com relação ao proletariado, Lênin propôs uma Inspeção Operária e Camponesa (1922), que rapidamente fracassou seu trabalho de controle e se converteu em mais uma estrutura burocrática.
[42] Brinton, op. cit., ver nota 10, p. 32.
[43] Citado por Brinton, op. cit., p. 47.
[44] Sem entrar numa discussão que deverá desenvolver-se mais a fundo sobre a necessidade ou não de um Exército Vermelho na fase do período de transição que podemos caracterizar de Guerra Civil Mundial (quer dizer, quando o poder não foi tomado pelo proletariado em todo o mundo), há algo evidente na experiência russa: a formação do Exército Vermelho, sua rápida burocratização e afirmação como órgão estatal, a ausência total de contrapartidas proletárias de que se beneficiou, tudo isso refletiu uma correlação de forças muito desfavorável em escala mundial com a burguesia. Como assinalamos no artigo da série "O comunismo não é um belo ideal" da Revista Internacional nº 96, "Quanto mais se estenda a revolução a nível mundial, mais será dirigida diretamente pelos conselhos operários e suas milícias, mais predominarão os aspectos políticos sobre os militares, e menos necessitará de um ‘exército vermelho’ que dirija a luta.”
[45] Citado por Brinton, op. cit., p. 48. Entusiasmado pelos resultados da conferência, Lênin exclamou: "(...) devemos trasladar o centro de gravidade aos Conselhos de Fábrica. Eles devem converter-se nos órgãos da insurreição. Devemos mudar a bandeira e em lugar de dizer: ‘todo poder aos sovietes’ dizer ‘todo poder aos conselhos de fábrica’.” (Ibidem)
[46] Brinton, op. cit., p. 35.
[47] Brinton, op. cit., p. 50.
[48] Ibidem, capítulo "1919", p. 103. A experiência russa mostra de forma conclusiva o caráter reacionário dos sindicatos, sua tendência indestrutível a se converter em estruturas estatais e seu antagonismo radical com as novas vias organizativas que, desde 1905 e em resposta às condições do capitalismo decadente e da necessidade da revolução, o proletariado desenvolveu.
[49] R.V. Daniels, citado por Brinton, op. cit., p. 120.
[50] "Uma política de gestão proletária só terá um conteúdo socialista se a direção econômica tem uma orientação diametralmente oposta à do capitalismo, ou seja, se se dirige a uma elevação progressiva e constante das condições de vida das massas e não em direção a sua degradação." (Bilan, citado na Revista Internacional, nº 128).
[51] Revista Internacional, nº 95, "1919 o programa da ditadura do proletariado".
[52] Salário, preço e lucro, versõa espanhola, ver http://www.marxists.org/espanol/m-e/1860s/65-salar.htm#xiv.
[53] Formado em 1922, foi uma das últimas frações de esquerda que nasceram no Partido Bolchevique no combate por sua regeneração e sua recuperação para a classe.
[54] Citado por Brinton, op. cit., p. 140.