quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

O DIREITO À MORADIA PARA A CLASSE TRABALHADORA

Sobre a desocupação forçada no bairro Nova Cidade em Vitória da Conquista


Por Eric Garcia
os posicionamentos deste texto são de responsabilidade do autor

Na manhã do dia 04 dezembro de 2017, os trabalhadores de Vitória da Conquista foram surpreendidos pela ação bárbara do despejo de moradores da ocupação existente no bairro Nova Cidade. A polícia militar em conjunto com prefeitura, e amparados pela decisão da 1ª Vara da Fazenda Pública, realizou a ação truculenta de despejo dos moradores, sob bombas de efeito moral e balas de borracha. A justificativa dada pela prefeitura é a necessidade da manutenção da reserva ambiental da serra do Periperi, na qual o bairro se situa. Contudo, essa ação, além de bárbara, é repleta de contradições. Para entender melhor a situação, é necessário, inicialmente, contextualizar historicamente o processo de urbanização da localidade.
A ocupação no Nova Cidade foi iniciada em meados da década de 1980 a partir da ação dos próprios moradores. Estes vieram para Conquista de cidades vizinhas e até mesmo do campo em busca de melhores condições de vida. No entanto, não se pode dizer que esse objetivo foi alcançado com grande êxito. Inicialmente os trabalhadores que para lá migraram apenas construíram barracos de lona, sobrevivendo de trabalhos precários e informais. Depois de muitos anos de trabalho, alguns deles puderam erguer uma construção mais sólida.
O Estado sempre se mostrou verdadeiramente apático em relação aos ocupados, não somente agora, negando qualquer assistência às pessoas despejadas do Nova Cidade, como em toda sua história, negando o fornecimento de estruturas mínimas que fazem parte de todo “direito cidadão”, como pavimentação, esgotamento sanitário, água encanada, energia elétrica, transporte, lazer etc. Contudo, apesar de não ser o paraíso na terra, aos poucos, muitos trabalhadores que não tinham onde morar encontraram no Nova Cidade, bem como em tantos outros lugares na periferia de Conquista, um lugar para se viver.
Muitos elementos que surgem desse fato precisam ser discutidos. Vamos tentar apontar alguns deles brevemente neste texto.
O primeiro talvez seja o mais evidente. Nenhuma ilusão ainda deve ser nutrida por quem espera que o Estado seja uma estrutura da sociedade civil que tem o dever de garantir direitos e benefícios aos seus cidadãos. Na menor oportunidade ele não pestanejará em ser o mais truculento possível para garantir as regalias de uma classe privilegiada sob a exploração de outra (veremos mais à frente o porquê que esta desocupação se encaixa perfeitamente no caso). A prefeitura de Conquista alega “defender o Parque da degradação ambiental, preservando-o para as futuras gerações”, sendo que mal se importa com as gerações presentes de trabalhadores que tiveram suas casas demolidas, seus filhos e idosos agredidos, sua mínima garantia de sobrevivência destruída em um piscar de olhos sob a pá de um trator.



 Como se não bastasse a total desumanização em trocar as casas de trabalhadores por um discurso “ecológico”, esse mesmo Estado se omite sobre a construção dos condomínios que também ficam nas redondezas, culpabilizando gestões anteriores. Também se omite sobre a degradação do rio Verruga, que cruza a cidade, ou sobre a degradação da mata nativa pelas diversas fazendas no campo do município. Contudo, a defesa de uma ecologia sustentável nunca foi o alvo dessa empreitada macabra. O que na verdade se mostra é a velha política de “higienização” da cidade, pela qual botam os trabalhadores mais pobres para debaixo do tapete para privilegiar a estética da vizinhança. Expulsam sujeitos socialmente “indesejáveis” de suas casas, sem qualquer aviso prévio, para que não apareçam na janela das casas dos bairros vizinhos. Uma total inversão de valores.
Em tantos outros lugares podemos encontrar mais casos da higienização das cidades. E não são poucos, se espalham por todo Brasil, e também pelo mundo inteiro. Não é um fenômeno local, mas algo que está generalizado no modo como o capital opera. Algumas vezes essas políticas acontecem de forma mais sutil, com a expansão urbana e pela valorização dos imóveis, por exemplo, em que muitos moradores resolvem vender suas casas e migrar para lugares mais distantes, nas bordas da cidade. Mas as vezes a marginalização ocorre pelos atos mais hediondos possíveis, como é o caso da desocupação forçada no Nova Cidade em Conquista pela Base Comunitária de Segurança, unidade policial inspirada na UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) do Rio de Janeiro. Ações desse setor da polícia militar, bem como atividades militares parecidas ocorreram em outros lugares, como no massacre da Candelária em 1993 ou na desocupação dos indígenas da Aldeia Maracanã em 2013 no Rio de Janeiro, ou das atividades da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) em todo o estado do Rio. Algumas vezes os próprios agentes da prefeitura e empresas terceirizadas praticam essas agressões, como é o caso da prefeitura de São Paulo que com uso de carros pipa e jatos d’água gelada em pleno inverno expulsou os moradores de rua enquanto ainda dormiam sob o pretexto de estar limpando o chão a praça, em 2017.



A legalidade em que esses processos se amparam também se revela totalmente contra os trabalhadores e trabalhadoras. Essa ainda é uma ilusão recorrente na nossa sociedade: o que é certo é a lei. Muitos parecem esquecer que a lei é feita por indivíduos que estão em posições privilegiadas para tal, e ao fazê-las, a recheiam com seus interesses e dos interesses daqueles que representam: as classes dominantes. É o que pode-se perceber na fala do radialista do programa “Redação Brasil”, quando é dito que “dessa vez a prefeitura [de Conquista] fez certo, ela tem a obrigação de ordenar e pra isso tem que ter uma estratégia, e me parece que dessa vez procurou a justiça, através da polícia, não foi só os funcionários da prefeitura como foi da última vez, que foi aquela coisa horrorosa”. Para o radialista fanático às leis, a “coisa horrorosa” é apenas não ter a permissão da justiça. Ele não é capaz de ver que a lei apenas serve à desumanização da imensa maioria para o bem da minoria.
Outro elemento que merece destaque é sobre o papel da polícia na sociedade capitalista. Sobre este tema há uma publicação no Jornal Faísca sobre o assunto, por isso não nos delongaremos. Este órgão nada mais é do que o braço armado do Estado. Logo, é também o braço armado das classes dominantes. Não servem essencialmente para proteger as pessoas, mas sim para proteger a propriedade privada e seus detentores. Mas não a propriedade dos barracos de lona, e sim a propriedade privada dos meios de produção; ou seja, mais uma vez, a propriedade das classes que dominam. A polícia não se importa para quem esteja na sua frente, quatro pessoas foram feridas no processo dessa desocupação em Conquista, entre eles uma criança e uma idosa.



Todas essas questões apenas nos fazem concluir que não estamos caminhando para uma barbárie social, mas já estamos nela. Os caminhos apontados por Engels na segunda metade do século 19, “socialismo ou barbárie” se mostram mais evidentes do que antes, e devemos percorrer um caminho difícil para nos livrarmos da segunda opção. Devemos buscar formas de luta pelas quais a classe operária organizada autonomamente possa abolir de uma vez por todas a propriedade privada dos meios de produção. Ela deve tomar e gerir a produção por ela mesma para acabar com toda forma de exploração pela classe burguesa (Os motivos que fazem dessa classe um fundamento para essa revolução foram expostos num texto que escrevi anteriormente para este mesmo jornal).
Enquanto parte da sociedade vira as costas para aqueles trabalhadores e trabalhadoras que estão sendo desocupados no bairro Nova Cidade, muitos deles resistem aos ataques violentos da polícia e do Estado. Alguns barracos de lona já foram reconstruídos e a indignação ferve no sangue desses moradores. Enquanto isso, os meios de comunicação com o rabo preso à atual gestão municipal justificam a invasão dizendo que “Antes da desocupação a Secretaria de Desenvolvimento Social fez um detalhado levantamento e não encontrou ninguém, no perfil para receber o aluguel social. A maioria do invasores já tinha vendido os terrenos ocupados segundo levantamento da Prefeitura”.
Contudo é preciso observar que, além desses programas terem uma burocracia interminável para poder enquadrar as pessoas de baixa renda no “perfil” correto, essa afirmação vai totalmente de encontro com o fato de que há resistência dos moradores que arriscam suas vidas por suas moradas. Em que universo pessoas que arriscam suas vidas não se enquadram em um perfil que necessita de moradia? Não é de se surpreender uma notícia dessas, visto que a Sr.ª Secretária do desenvolvimento social, Irma Lemos, é a atual vice prefeita da cidade.
O mesmo blog ainda tem coragem de terminar sua notícia dizendo que “A Prefeitura cumpre a nobre missão de manter o pouco que restou da vegetação da Serra do Periperi”. Não restam dúvidas do total comprometimento ideológico existente nessa relação, ainda mais se tratando do veículo de comunicação que pertence ao atual prefeito da cidade, o Sr. Herzem Gusmão.
Não há mais esperança nesse modelo de sociedade.
Toda solidariedade aos trabalhadores de todo o mundo sem uma moradia. Nossa luta não tem fronteiras!