quarta-feira, 3 de outubro de 2018

DEMOCRACIA E ELEIÇÕES - Parte 1


Ele não, mas e os outros?


por Riviano e José Barata
as opiniões deste texto são de responsabilidade dos autores

A essa altura do campeonato todo mundo já se deu conta que estas são as eleições presidenciáveis mais conturbadas desde o fim do regime militar. A crise política no Brasil deixou claro que o governo federal está totalmente carente de um novo projeto político para substituir o modelo social-democrata tupiniquim implementado pelo PT enquanto esteve no poder. As elites brasileiras estão órfãs de um projeto político. A coisa está tão incerta que todo tipo de aberração está se sentindo a vontade para disputar a presidência. Vamos considerar aqui apenas os candidatos de peso.

A presença no segundo turno do populista de extrema direita, Jair Bolsonaro, está praticamente certa. Para além do que afirmam os social-democratas, este candidato não é propriamente um fascista, apesar de existirem grupos fascistas que o seguem como líder no Brasil[1]. Bolsonaro cresceu com uma retórica reacionária no surgimento dos primeiros problemas do governo do PT após a crise de 2008. Com o aprofundamento da crise e das polêmicas, o deputado tentou diminuir sua rejeição entre os eleitores, atraindo com um discurso oportunista aqueles indivíduos que se viam acuados pela violência crescente, bem como pelos questionamentos vindos de minorias como os homossexuais.
O candidato que foi parlamentar pelo PP de Paulo Maluf (partido mais encrencado na Lava Jato) soube moldar sua retórica para abranger cada vez mais pessoas, por mais que seu discurso fosse absolutamente hipócrita. Apareceu como antipetista, mas foi da base do governo Lula por mais de uma década. Se afirma contra a corrupção, mas esteve no partido dos maiores corruptos do Brasil. Diz defender a “família tradicional”, casou-se três vezes. Posa como grande nacionalista e vai para os EUA bater continência a bandeira deste país[2]. As contradições são muitas e sequer cabem aqui, mas o que realmente atrai seus seguidores é o ódio irracional que ele destila às minorias, visto como gesto de grande coragem. Bolsonaro soube ocupar o vácuo que existia entre cristãos fundamentalistas, trabalhadores que se sentem ameaçados pela violência crescente, e pelo empresariado que quer a redução dos direitos trabalhistas.


O PT, que parecia morto após a última eleição, começa a despontar como força para o segundo turno.O slogan do “Lula é Haddad” colou, e as pesquisas mais recentes apontam que o candidato já superou Ciro Gomes no primeiro turno. Neste sentido, é importante frisar o papel do impeachment de Dilma Rousseff na retomada do partido como força política relevante. Se tivessem que conduzir o governo da presidente deposta, teriam sido completamente devorados pela crise que assola o país desde 2014. Graças ao impeachment agora podem pôr toda a culpa da crise nas costas do amplamente odiado Michel Temer e seus aliados, como o PSDB.


Trocando em miúdos, o tal do “golpe” foi a melhor coisa que poderia ter acontecido ao PT[3]. O partido também poderá acusar o governo Temer de aplicar medidas contra os trabalhadores, medidas estas que o governo de Dilma tentou aplicar sem sucesso, por falta de apoio de sua base aliada e dos opositores que estavam tentando sabotá-la. Tasso Jereissati, ex-presidente nacional do PSDB, chegou a afirmar que foi um grande erro do partido “votar contra [seus] princípios básicos, sobretudo na economia, só para ser contra o PT”[4]. Desta maneira, fica claro que em muitos sentidos o atual governo é apenas a continuação do programa que o deposto governo do PT pretendia aplicar. Para o atual pleito o partido repete as promessas que fez no passado e jamais cumpriu em seus 13 anos no poder.

O PSDB foi um dos partidos mais fortemente atingidos pela crise e pelas ações do governo Temer. Seu candidato, Geraldo Alckmin, chegou nessas eleições com muito tempo de propaganda na TV, mas totalmente debilitado após ter sua base eleitoral levada embora por Bolsonaro. O partido já avalia, inclusive, que a sua atual situação deriva do questionamento ao resultado das eleições de 2014, do apoio ao impeachment, da participação no odiado governo Temer e dos impactos negativos das delações contra o Aécio Neves. Neste sentido, o partido que terminou as últimas eleições como grande força, encontra-se praticamente fora da disputa apesar de todas as alianças.

Ciro Gomes aparece como surpresa nestas eleições, após ter ficado sumido durante um bom tempo. É mais um oportunista que tenta ocupar um espaço que foi abandonado desde as eleições de 2014, quando Dilma Roussef aplicou seu grande estelionato eleitoral. O que o candidato propõe é a reedição do nacional-desenvolvimentismo do final do governo Lula e do primeiro mandato de Dilma. As condições de tal proposta econômica não parecem dadas. Ao contrário, do ponto de vista do Estado a crise econômica mundial impõe uma exigência crescente de redução de direitos e implementação de medidas de austeridade que possam permitir a acumulação de superávits primários, ou seja, quando o Estado arrecada mais dinheiro do que gasta.

A principal estratégia de Ciro para aumentar este superávit é a criação do imposto sobre distribuição de lucros e dividendos, do imposto sobre valor agregado (IVA) e tributar grandes movimentações financeiras. Resta saber como ele vai conseguir empurrar essas medidas goela abaixo das elites brasileiras e seu exército de lobistas neste cenário de crise. Por fim, Ciro Gomes aponta a necessidade de unir “quem produz com quem trabalha”, o que é uma ideia absurda, se compreendemos que apenas quem trabalha produz algo. Neste sentido, ele acena com mais uma tentativa de conciliação de classes, num momento de aprofundamento da crise.

As últimas pesquisas do Ibope revelam que, apesar de liderar no primeiro turno, Bolsonaro perde em um confronto no segundo turno contra Ciro e Alckmin, empatando tecnicamente com Haddad. O índice de rejeição do “mito” é tão grande que alimentou movimentos em todo o país, com destaque para o “Ele não”. Bolsonaro é de fato uma figura totalmente desprezível. Trata-se de uma pessoa tão odiosa que foi capaz de fazer com que amplas parcelas da população assumissem, enquanto pauta avançada, um discurso antes considerado conformista, o do candidato “menos pior”. Além disso, o fantasma do fascismo é um risco real. Está claro o crescimento da extrema direita. Todavia, Bolsonaro não criou este crescimento. Mais ainda, estamos convencidos de que a própria social-democracia, da qual o PT faz parte, possui um grande papel no fortalecimento dessa onda conservadora. Logo, eleger um candidato mais à esquerda dificilmente vai conter o avanço do conservadorismo, podendo inclusive alimentá-lo. Por que razão estamos convencidos disso? Essa é a questão que discutiremos na segunda parte desse artigo.


[1] Esquerda Diário - Apontamentos sobre os “populismos” e o fascismo (clique aqui); DW - Populismo: palavra útil ao debate ou termo vago que confunde? (clique aqui).
[2] The Intercept Brasil - Nos EUA, Jair Bolsonaro oferece promessas vagas para empresários e “carta branca para a polícia matar” (clique aqui)
[3] Brasil 247 - Rodrigo Maia: impeachment devolveu PT ao Jogo (clique aqui); UOL Notícias - Haddad tem um cabo eleitoral involuntário: Temer (clique aqui).
[4] Estadão - Tasso Jereissati: ‘Nosso grande erro foi ter entrado no governo Temer’ (clique aqui).