Ele não, mas e os outros?
por
Riviano e José Barata
as opiniões deste texto são de responsabilidade dos autores
A essa altura do
campeonato todo mundo já se deu conta que estas são as eleições presidenciáveis
mais conturbadas desde o fim do regime militar. A crise política no Brasil
deixou claro que o governo federal está totalmente carente de um novo projeto
político para substituir o modelo social-democrata tupiniquim implementado pelo
PT enquanto esteve no poder. As elites brasileiras estão órfãs de um projeto
político. A coisa está tão incerta que todo tipo de aberração está se sentindo
a vontade para disputar a presidência. Vamos considerar aqui apenas os
candidatos de peso.
A presença no segundo
turno do populista de extrema direita, Jair Bolsonaro, está praticamente certa.
Para além do que afirmam os social-democratas, este candidato não é propriamente um fascista, apesar de existirem grupos fascistas que o seguem como líder no
Brasil[1].
Bolsonaro cresceu com uma retórica reacionária no surgimento dos primeiros
problemas do governo do PT após a crise de 2008. Com o aprofundamento da crise
e das polêmicas, o deputado tentou diminuir sua rejeição entre os eleitores,
atraindo com um discurso oportunista aqueles indivíduos que se viam acuados
pela violência crescente, bem como pelos questionamentos vindos de minorias
como os homossexuais.
O candidato que foi parlamentar
pelo PP de Paulo Maluf (partido mais encrencado na Lava Jato) soube moldar sua
retórica para abranger cada vez mais pessoas, por mais que seu discurso fosse
absolutamente hipócrita. Apareceu como antipetista, mas foi da base do governo
Lula por mais de uma década. Se afirma contra a corrupção, mas esteve no
partido dos maiores corruptos do Brasil. Diz defender a “família tradicional”,
casou-se três vezes. Posa como grande nacionalista e vai para os EUA bater continência a bandeira deste país[2].
As contradições são muitas e sequer cabem aqui, mas o que realmente atrai seus
seguidores é o ódio irracional que ele destila às minorias, visto como gesto de
grande coragem. Bolsonaro soube ocupar o vácuo que existia entre cristãos
fundamentalistas, trabalhadores que se sentem ameaçados pela violência
crescente, e pelo empresariado que quer a redução dos direitos trabalhistas.
O PT, que parecia morto após a última eleição, começa a despontar como força para o segundo turno.O slogan do “Lula é Haddad” colou, e as pesquisas mais recentes apontam que o candidato já superou Ciro Gomes no primeiro turno. Neste sentido, é importante frisar o papel do impeachment de Dilma Rousseff na retomada do partido como força política relevante. Se tivessem que conduzir o governo da presidente deposta, teriam sido completamente devorados pela crise que assola o país desde 2014. Graças ao impeachment agora podem pôr toda a culpa da crise nas costas do amplamente odiado Michel Temer e seus aliados, como o PSDB.
Trocando em miúdos, o
tal do “golpe” foi a melhor coisa que poderia ter acontecido ao PT[3]. O
partido também poderá acusar o governo Temer de aplicar medidas contra os
trabalhadores, medidas estas que o governo de Dilma tentou aplicar sem sucesso,
por falta de apoio de sua base aliada e dos opositores que estavam tentando
sabotá-la. Tasso Jereissati, ex-presidente nacional do PSDB, chegou a afirmar que foi um grande erro do partido “votar contra [seus] princípios básicos, sobretudo
na economia, só para ser contra o PT”[4].
Desta maneira, fica claro que em muitos sentidos o atual governo é apenas a
continuação do programa que o deposto governo do PT pretendia aplicar. Para o
atual pleito o partido repete as promessas que fez no passado e jamais cumpriu
em seus 13 anos no poder.
O PSDB foi um dos
partidos mais fortemente atingidos pela crise e pelas ações do governo Temer.
Seu candidato, Geraldo Alckmin, chegou nessas eleições com muito tempo de
propaganda na TV, mas totalmente debilitado após ter sua base eleitoral levada
embora por Bolsonaro. O partido já avalia, inclusive, que a sua atual situação
deriva do questionamento ao resultado das eleições de 2014, do apoio ao
impeachment, da participação no odiado governo Temer e dos impactos negativos
das delações contra o Aécio Neves. Neste sentido, o partido que terminou as
últimas eleições como grande força, encontra-se praticamente fora da disputa
apesar de todas as alianças.
Ciro Gomes aparece como
surpresa nestas eleições, após ter ficado sumido durante um bom tempo. É mais
um oportunista que tenta ocupar um espaço que foi abandonado desde as eleições
de 2014, quando Dilma Roussef aplicou seu grande estelionato eleitoral. O que o
candidato propõe é a reedição do nacional-desenvolvimentismo do final do
governo Lula e do primeiro mandato de Dilma. As condições de tal proposta
econômica não parecem dadas. Ao contrário, do ponto de vista do Estado a crise
econômica mundial impõe uma exigência crescente de redução de direitos e
implementação de medidas de austeridade que possam permitir a acumulação de
superávits primários, ou seja, quando o Estado arrecada mais dinheiro do que
gasta.
A principal estratégia
de Ciro para aumentar este superávit é a criação do imposto sobre distribuição
de lucros e dividendos, do imposto sobre valor agregado (IVA) e tributar
grandes movimentações financeiras. Resta saber como ele vai conseguir empurrar
essas medidas goela abaixo das elites brasileiras e seu exército de lobistas
neste cenário de crise. Por fim, Ciro Gomes aponta a necessidade de unir “quem
produz com quem trabalha”, o que é uma ideia absurda, se compreendemos que
apenas quem trabalha produz algo. Neste sentido, ele acena com mais uma
tentativa de conciliação de classes, num momento de aprofundamento da crise.
As últimas pesquisas do
Ibope revelam que, apesar de liderar no primeiro turno, Bolsonaro perde em um
confronto no segundo turno contra Ciro e Alckmin, empatando tecnicamente com
Haddad. O índice de rejeição do “mito” é tão grande que alimentou movimentos em
todo o país, com destaque para o “Ele não”. Bolsonaro é de fato uma figura
totalmente desprezível. Trata-se de uma pessoa tão odiosa que foi capaz de
fazer com que amplas parcelas da população assumissem, enquanto pauta avançada,
um discurso antes considerado conformista, o do candidato “menos pior”. Além
disso, o fantasma do fascismo é um risco real. Está claro o crescimento da
extrema direita. Todavia, Bolsonaro não criou este crescimento. Mais ainda,
estamos convencidos de que a própria social-democracia, da qual o PT faz parte,
possui um grande papel no fortalecimento dessa onda conservadora. Logo, eleger
um candidato mais à esquerda dificilmente vai conter o avanço do conservadorismo, podendo inclusive alimentá-lo.
Por que razão estamos convencidos disso? Essa é a questão que discutiremos na
segunda parte desse artigo.
[1] Esquerda Diário - Apontamentos sobre os
“populismos” e o fascismo (clique aqui); DW - Populismo: palavra
útil ao debate ou termo vago que confunde? (clique aqui).
[2] The Intercept Brasil - Nos EUA, Jair
Bolsonaro oferece promessas vagas para empresários e “carta branca para a
polícia matar” (clique aqui)
[3] Brasil 247 - Rodrigo Maia: impeachment
devolveu PT ao Jogo (clique aqui); UOL Notícias - Haddad tem
um cabo eleitoral involuntário: Temer (clique aqui).
[4] Estadão - Tasso Jereissati: ‘Nosso
grande erro foi ter entrado no governo Temer’ (clique aqui).