sábado, 6 de outubro de 2018

APERTEM OS CINTOS


O fenômeno Bolsonaro sob a luz do bonapartismo


por Riviano
as opiniões deste texto são de responsabilidade do autor

O momento atual fica cada vez mais claro. É mais uma repetição do fenômeno do bonapartismo, extremamente recorrente em todas as partes do mundo nos últimos 200 anos. Ele deriva, necessariamente, do papel desmobilizador e repressivo dos “democratas” para com o movimento proletário. Nos últimos 100 anos, este papel de desmobilizar e reprimir os trabalhadores tem sido da esquerda, e é esta esquerda que pavimenta o caminho para o bonapartismo, em sua forma fascista ou não. 

Marx cita Hegel em 1852 ao dizer que “todos os grandes fatos e todos os grandes personagens da história mundial são encenados, por assim dizer, duas vezes. Ele se esqueceu de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. Marx também não pôde ver que o mesmo evento retorna em sua forma trágica e farsesca inúmeras vezes, pois enquanto ele viveu, pôde ver apenas o farsante Luis Bonaparte. De lá pra cá este evento se repetiu inúmeras vezes, mas o padrão da farsa continua sempre o mesmo. Vamos lá então.

França, 1848

Uma grande revolução incendiou toda a Europa. Pela primeira vez na história os trabalhadores apareceram como força política autônoma com suas próprias pautas. Os trabalhadores franceses buscavam o estabelecimento de uma “República Social”, ainda que o movimento nem tivesse muita clareza sobre o que seria isto. O resultado desta ousadia foi a violenta repressão protagonizada por importantes e antigos políticos franceses. O movimento operário foi esmagado pelo punho de ferro de seus antigos aliados democratas e entrou em um profundo refluxo. Naquele mesmo ano, foram preparadas as eleições com sufrágio universal. Todos os homens votariam pela primeira vez. Na eleição haviam muitos nomes conhecidos do povo francês, muitos políticos de longa carreira, exceto um: Luis Bonaparte.

Tomado como imbecil, havia tentado dar um golpe em 1836 e em 1840, tendo fracassado nas duas vezes. Luis Bonaparte era uma figura bizarra, uma espécie de Levy Fidelix ou Jair Bolsonaro do século XIX. Chegadas as eleições, as expectativas de que um dos políticos tradicionais fosse eleito foram frustradas pela vitória do Bonaparte farsante. Os políticos tradicionais foram abandonados pelos operários franceses. Os camponeses, com boas lembranças do primeiro Bonaparte, elegeram seu sobrinho, apesar deste ser uma figura tosca.

Quatro anos depois, no fim do seu mandato, Luis Bonaparte, aliado ao lumpem-proletariado francês (bandidos, cafetões, contrabandistas, mendigos, artesãos falidos) deu um golpe e pôs fim à Segunda República francesa. Os políticos tradicionais, os mesmos que haviam destruído o movimento operário quatro anos antes, tentaram pedir socorro aos trabalhadores. Estes cruzaram os braços e nada fizeram para impedir a fundação do Segundo Império francês, que só acabou em 1871 com a derrota para os prussianos, fato que desencadeou a sensacional Comuna de Paris.

Corta para à Alemanha, 1919

A Alemanha do pós primeira guerra mundial pega fogo. O movimento operário alemão que forçou o fim da guerra, agora levava sua missão até as últimas consequências: uma revolução proletária estava as portas da vitória na Alemanha. Colocado no poder pela burguesia, o SPD, Partido Socialdemocrata Alemão (a esquerda), assassinou as principais lideranças revolucionárias já em 1919, e combateu a revolução com extrema violência até 1923, deixando o movimento operário em frangalhos. No mesmo ano, um sujeito bizarro chamado Adolf Hitler foi preso pela tentativa de um golpe. A crise do pós-guerra assolou a Alemanha, reduziu as organizações operárias ao pó. Em 1933, o mesmo Adolf Hitler assumiu o governo alemão, e, quanto o resto, sabemos muito bem onde deu. 

Durante todo o período inicial do governo nazista, os socialdemocratas apelaram, inutilmente, ao proletariado alemão que enfrentasse o nazismo através da democracia, imobilizando ainda mais o que restava das organizações operárias. Acontece que grande parte dos operários, reprimidos pelo SPD durante uma década, simplesmente haviam se tornado apoiadores do nazismo. A socialdemocracia, com seu amor pelo poder estatal, pavimentou durante 14 anos a chegada de Hitler ao poder. Em 1933, este processo histórico não podia mais ser interrompido. A única coisa que poderia ter mudado esta história era a vitória da revolução de 1919, era o movimento revolucionário consciente de si e de seu papel.

Corta para o Brasil, 2018

Durante três décadas, o PT e seus partidos aliados, sindicatos parceiros e organizações satélites, imobilizaram o movimento operário brasileiro, submetendo-o aos seus interesses de chegada ao poder na democracia. Abafou qualquer crítica sob a acusação de que as criticas fortaleceriam a “direita”, enquanto este mesmo partido se aliava a partidos da direita histórica no Brasil, como o PR de José Alencar (importante membro da burguesia industrial, vice-presidente no primeiro governo Lula) e Magno Malta, o PP de Paulo Maluf, e Jair Bolsonaro o PSC de Marcos Feliciano. Durante 13 anos o partido governou em conjunto com estes partidos para garantir a acumulação das grandes empreiteiras nacionais em escala mundial. Com suas medidas neoliberais, como o PROUNI, favoreceu a criação de imensas corporações educacionais, e também roubou bilhões de reais para garantir continuação de seu projeto de poder ao lado de seus aliados igualmente tóxicos. Em 2016 sofreu o primeiro revés, quando Dilma Roussef foi deposta por seus aliados históricos, conclamando os trabalhadores a enfrentarem o “golpe”. Porém, os trabalhadores que haviam sido silenciados e retirados da luta por sindicalistas profissionais, simplesmente cruzaram o braço depois de uma década de mentiras e traições. Os trabalhadores não mais se identificavam com o partido, nem mesmo tinham qualquer ligação com ele.

Agora, nas eleições de 2018, o bizarro Jair Bolsonaro está as portas do poder através da democracia, podendo ser eleito por parte significativa da sociedade, inclusive pelo proletariado. Diante disso, os defensores da democracia que a burguesia fundou e que garantiu o adestramento do proletariado, agora conclamam pelo salvamento do regime do qual os trabalhadores jamais participaram de forma ativa, sendo convidados a irem as urnas escolherem quais dos nomes que a burguesia selecionou eles gostariam de ver no poder. 

Algumas questões se apresentam. O fenômeno Bolsonaro ainda pode ser parado? A eleição de um dos elementos da esquerda brasileira é capaz de apaziguar o poderoso clima de ódio contra os elementos da esquerda? A realidade aponta exatamente o contrário. Desde 2013 os governos petistas sofreram repetidamente com protestos massivos das classes médias e pequeno-burguesas da sociedade. Estes protestos corroeram o seu poder. Em mais um novo mandato, inevitavelmente, novas traições ocorreriam e a crise estrutural corroeria ainda mais a sua imagem, o que fortaleceria ainda mais o movimento

Bolsonaro, em caso de vitória, também conviverá com protestos, mas diferentemente dos “democratas”, pode assumidamente romper com as formalidades democráticas. Caso assuma o papel de Bonaparte brasileiro, poderá esmagar toda oposição dentro e fora do Estado, pois sua base defende tais posições e certamente o apoiaria.


Depois de toda esta exposição, faz sentido acreditar que as eleições quadrienais podem impedir qualquer movimento fascista? Mais uma vez, o único capaz de se opor a atual onda reacionária é um movimento proletário, revolucionário, consciente de si e de seu papel transformador. Apenas essa força pode parar a marcha fúnebre do fascismo. Porém, conforme foi dito, tal agente histórico foi retirado de cena por décadas de peleguismo socialdemocrata. Caso o proletariado não se organize de maneira autônoma e revolucionária, por fora do Estado e seus aparatos burocráticos (partidos, sindicatos etc.), tudo que nos restará a fazer é apertar os cintos enquanto o avião descontrolado da história despenca.