O fenômeno Bolsonaro sob a luz do bonapartismo
por Riviano
as opiniões deste texto são de responsabilidade do autor
O momento atual fica
cada vez mais claro. É mais uma repetição do fenômeno do bonapartismo,
extremamente recorrente em todas as partes do mundo nos últimos 200 anos. Ele
deriva, necessariamente, do papel desmobilizador e repressivo dos “democratas”
para com o movimento proletário. Nos últimos 100 anos, este papel de
desmobilizar e reprimir os trabalhadores tem sido da esquerda, e é esta
esquerda que pavimenta o caminho para o bonapartismo, em sua forma fascista ou
não.
Marx cita Hegel em 1852
ao dizer que “todos os grandes fatos e todos os grandes personagens da história
mundial são encenados, por assim dizer, duas vezes. Ele se esqueceu de
acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. Marx também
não pôde ver que o mesmo evento retorna em sua forma trágica e farsesca
inúmeras vezes, pois enquanto ele viveu, pôde ver apenas o farsante Luis
Bonaparte. De lá pra cá este evento se repetiu inúmeras vezes, mas o padrão da
farsa continua sempre o mesmo. Vamos lá então.
França,
1848
Uma grande revolução
incendiou toda a Europa. Pela primeira vez na história os trabalhadores
apareceram como força política autônoma com suas próprias pautas. Os
trabalhadores franceses buscavam o estabelecimento de uma “República Social”, ainda
que o movimento nem tivesse muita clareza sobre o que seria isto. O resultado
desta ousadia foi a violenta repressão protagonizada por importantes e antigos
políticos franceses. O movimento operário foi esmagado pelo punho de ferro de seus
antigos aliados democratas e entrou em um profundo refluxo. Naquele mesmo ano,
foram preparadas as eleições com sufrágio universal. Todos os homens votariam
pela primeira vez. Na eleição haviam muitos nomes conhecidos do povo francês,
muitos políticos de longa carreira, exceto um: Luis Bonaparte.
Tomado como imbecil,
havia tentado dar um golpe em 1836 e em 1840, tendo fracassado nas duas vezes.
Luis Bonaparte era uma figura bizarra, uma espécie de Levy Fidelix ou Jair
Bolsonaro do século XIX. Chegadas as eleições, as expectativas de que um dos
políticos tradicionais fosse eleito foram frustradas pela vitória do Bonaparte
farsante. Os políticos tradicionais foram abandonados pelos operários franceses.
Os camponeses, com boas lembranças do primeiro Bonaparte, elegeram seu
sobrinho, apesar deste ser uma figura tosca.
Quatro anos depois, no
fim do seu mandato, Luis Bonaparte, aliado ao lumpem-proletariado francês (bandidos,
cafetões, contrabandistas, mendigos, artesãos falidos) deu um golpe e pôs fim à
Segunda República francesa. Os políticos tradicionais, os mesmos que haviam
destruído o movimento operário quatro anos antes, tentaram pedir socorro aos
trabalhadores. Estes cruzaram os braços e nada fizeram para impedir a fundação
do Segundo Império francês, que só acabou em 1871 com a derrota para os
prussianos, fato que desencadeou a sensacional Comuna de Paris.
Corta
para à Alemanha, 1919
A Alemanha do pós
primeira guerra mundial pega fogo. O movimento operário alemão que forçou o fim
da guerra, agora levava sua missão até as últimas consequências: uma revolução
proletária estava as portas da vitória na Alemanha. Colocado no poder pela
burguesia, o SPD, Partido Socialdemocrata Alemão (a esquerda), assassinou as
principais lideranças revolucionárias já em 1919, e combateu a revolução com
extrema violência até 1923, deixando o movimento operário em frangalhos. No
mesmo ano, um sujeito bizarro chamado Adolf Hitler foi preso pela tentativa de
um golpe. A crise do pós-guerra assolou a Alemanha, reduziu as organizações
operárias ao pó. Em 1933, o mesmo Adolf Hitler assumiu o governo alemão, e,
quanto o resto, sabemos muito bem onde deu.
Durante todo o período
inicial do governo nazista, os socialdemocratas apelaram, inutilmente, ao
proletariado alemão que enfrentasse o nazismo através da democracia, imobilizando
ainda mais o que restava das organizações operárias. Acontece que grande parte
dos operários, reprimidos pelo SPD durante uma década, simplesmente haviam se
tornado apoiadores do nazismo. A socialdemocracia, com seu amor pelo poder
estatal, pavimentou durante 14 anos a chegada de Hitler ao poder. Em 1933, este
processo histórico não podia mais ser interrompido. A única coisa que poderia
ter mudado esta história era a vitória da revolução de 1919, era o movimento
revolucionário consciente de si e de seu papel.
Corta
para o Brasil, 2018
Durante três décadas, o
PT e seus partidos aliados, sindicatos parceiros e organizações satélites,
imobilizaram o movimento operário brasileiro, submetendo-o aos seus interesses
de chegada ao poder na democracia. Abafou qualquer crítica sob a acusação de
que as criticas fortaleceriam a “direita”, enquanto este mesmo partido se
aliava a partidos da direita histórica no Brasil, como o PR de José Alencar (importante
membro da burguesia industrial, vice-presidente no primeiro governo Lula) e
Magno Malta, o PP de Paulo Maluf, e Jair Bolsonaro o PSC de Marcos Feliciano.
Durante 13 anos o partido governou em conjunto com estes partidos para garantir
a acumulação das grandes empreiteiras nacionais em escala mundial. Com suas
medidas neoliberais, como o PROUNI, favoreceu a criação de imensas corporações
educacionais, e também roubou bilhões de reais para garantir continuação de seu
projeto de poder ao lado de seus aliados igualmente tóxicos. Em 2016 sofreu o
primeiro revés, quando Dilma Roussef foi deposta por seus aliados históricos,
conclamando os trabalhadores a enfrentarem o “golpe”. Porém, os trabalhadores
que haviam sido silenciados e retirados da luta por sindicalistas
profissionais, simplesmente cruzaram o braço depois de uma década de mentiras e
traições. Os trabalhadores não mais se identificavam com o partido, nem mesmo
tinham qualquer ligação com ele.
Agora, nas eleições de
2018, o bizarro Jair Bolsonaro está as portas do poder através da democracia,
podendo ser eleito por parte significativa da sociedade, inclusive pelo
proletariado. Diante disso, os defensores da democracia que a burguesia fundou
e que garantiu o adestramento do proletariado, agora conclamam pelo salvamento
do regime do qual os trabalhadores jamais participaram de forma ativa, sendo
convidados a irem as urnas escolherem quais dos nomes que a burguesia
selecionou eles gostariam de ver no poder.
Algumas questões se
apresentam. O fenômeno Bolsonaro ainda pode ser parado? A eleição de um dos
elementos da esquerda brasileira é capaz de apaziguar o poderoso clima de ódio
contra os elementos da esquerda? A realidade aponta exatamente o contrário.
Desde 2013 os governos petistas sofreram repetidamente com protestos massivos
das classes médias e pequeno-burguesas da sociedade. Estes protestos corroeram
o seu poder. Em mais um novo mandato, inevitavelmente, novas traições
ocorreriam e a crise estrutural corroeria ainda mais a sua imagem, o que
fortaleceria ainda mais o movimento
Bolsonaro, em caso de
vitória, também conviverá com protestos, mas diferentemente dos “democratas”,
pode assumidamente romper com as formalidades democráticas. Caso assuma o papel
de Bonaparte brasileiro, poderá esmagar toda oposição dentro e fora do Estado, pois
sua base defende tais posições e certamente o apoiaria.
Depois de toda esta
exposição, faz sentido acreditar que as eleições quadrienais podem impedir
qualquer movimento fascista? Mais uma vez, o único capaz de se opor a atual
onda reacionária é um movimento proletário, revolucionário, consciente de si e
de seu papel transformador. Apenas essa força pode parar a marcha fúnebre do
fascismo. Porém, conforme foi dito, tal agente histórico foi retirado de cena
por décadas de peleguismo socialdemocrata. Caso o proletariado não se organize
de maneira autônoma e revolucionária, por fora do Estado e seus aparatos burocráticos
(partidos, sindicatos etc.), tudo que nos restará a fazer é apertar os cintos
enquanto o avião descontrolado da história despenca.