quinta-feira, 4 de outubro de 2018

DEMOCRACIA E ELEIÇÕES – Parte 2


  O que alimenta o fascismo?

 

por Riviano e José Barata
as opiniões deste texto são de responsabilidade dos autores
leia a parte 01

A figura de Jair Bolsonaro causa repulsa em muitos de nós. Ele representa tudo que há de mais atrasado e abominável na sociedade. O ódio contra os trabalhadores mais pobres, os negros, homossexuais, mulheres etc. Imaginar um imbecil como ele liderando um exército de intolerantes da mesma estirpe é realmente assombroso. Todavia, nossa atuação política não deve ser conduzida pelo medo. É necessário fazer um esforço para compreender todo o processo cujo Bolsonaro é apenas a ponta do iceberg.     

O primeiro questionamento a fazer é se o crescimento da extrema direita é um fenômeno tipicamente brasileiro. Para quem acompanha algumas das notícias internacionais deve saber que o crescimento da intolerância vem se espalhando pelo mundo. A Europa enfrenta problemas com a xenofobia e o crescimento de partidos conservadores. Os EUA é governado pelo populista asqueroso do Donald Trump, além de assistir o ressurgimento da seita Ku Klux Klan[1] (KKK), que defende a supremacia branca. 

A mesma força subterrânea que alimenta as forças conservadoras no Brasil está criando raízes em outras partes do mundo. Que força é essa? O que provoca esse aumento generalizado do ódio entre as pessoas? Este processo está diretamente ligado a crise econômica mundial. É um fenômeno que gera problemas materiais graves, como o aumento do desemprego e da inflação. O mercado de trabalho se torna cada vez mais competitivo e as pessoas são assombradas pela carestia dos preços ou a possibilidade da falência. Nesse clima de medo e insegurança é natural que as pessoas tendam a se tornar mais intolerantes.

Desde 2008 fica mais evidente o aprofundamento da crise estrutural que vem se arrastando desde os anos 70[2]. Essa crise não é uma imperfeição do sistema capitalista. Elas fazem parte de sua natureza destrutiva. Cada vez mais ficamos sem tempo para superar a chegada ao abismo da barbárie. Soluções paliativas apenas empurram o problema com a barriga tornando-o ainda maior e mais difícil de se resolver em um futuro cada vez mais próximo. O aprofundamento destas contradições está alimentando um clima de hostilidade que não pairava no ar desde o fim da Guerra Fria[3]. Hoje a hegemonia americana está acuada. O mundo parece estar caminhando para o beco sem saída.

Todos esses elementos que estamos trazendo, sustentam a posição de que os problemas que o Brasil enfrenta hoje não serão resolvidos no Brasil, mas apenas em escala mundial. Todavia, toda luta política possui uma base cotidiana nacional. Tais lutas políticas se desenvolvem no terreno das relações econômicas e precisam ser travadas a partir de uma perspectiva de classe. Neste sentido, nenhuma solução pode ser vitoriosa se a classe trabalhadora se manter aliada à burguesia nacional. Enquanto classe, a burguesia nunca dará um passo no sentido de resolver definitivamente as contradições que estão nas raízes desta crise econômica. Pelo contrário, fará de tudo para manter a humanidade no caminho para o colapso social, pois é incapaz de perceber que o problema central é o seu sistema de privilégios. O apego aos seus privilégios torna a burguesia a mais cega das classes, pois não é capaz de admitir que a única solução possível é a perda destes privilégios que faz dela a classe dominante. 

A classe trabalhadora é a única que pode levar a superação da crise até suas últimas consequências. Somente neste nível de radicalização das lutas o colapso social pode ser superado, bem como todo medo e insegurança por ele gerado. É extremamente necessário superar a competição feroz que se aprofunda com a crise e, consequentemente, todo o ódio por ela alimentado. Apenas a solidariedade de classe pode quebrar esse estado de coisas. Porém, não se trata de uma solidariedade com as elites cegas pelo desejo de lucro. A única solidariedade real apenas pode ser construída entre a classe trabalhadora. Não é possível construir uma aliança com aqueles que exploram o nosso trabalho, pois esta relação econômica torna burgueses e trabalhadores inimigos de classe, com interesses totalmente opostos. Apenas para a classe trabalhadora interessa superar a sociedade do capital. Neste sentido, o nacionalismo é um imenso erro, pois mistura e confunde classes antagônicas sob a bandeira de interesses comuns. Trabalhadores e burgueses não possuem os mesmos interesses.

Tal situação é objetiva. Não se trata de um dilema simplesmente moral. Declarar a irmandade humana entre humanos desiguais é o mais puro idealismo. Não existe irmandade possível entre lobos e cordeiros. A burguesia fará de tudo para manter a humanidade nos trilhos do abismo. Ela prefere levar sociedade ao colapso antes de abrir mão dos seus privilégios. Estamos ficando sem tempo. A necessidade de superação é urgente. Porém, a necessidade não é suficiente para realizar alguma mudança. É fundamental que a classe trabalhadora seja capaz de compreender a raiz do problema e de conduzir sua luta de maneira autônoma e organizada. Todavia, existe um grande obstáculo que precisa ser transposto no caminho desta luta. Na verdade, este é o obstáculo imediato da classe trabalhadora, pois se trata do responsável por afastá-la da direção de sua própria luta: a social-democracia.

Estamos convictos de que a social-democracia em todo o mundo é uma das principais responsáveis por manter a classe trabalhadora na ilusão de que é possível superar a crise do capital sem superar o próprio capital. Esta ilusão prolonga a degeneração social a cada dia, aprofundando a crise econômica e suas consequências morais e ideológicas, ou seja, o aumento da competição, do ódio, da intolerância e até das superstições mais baratas. Portanto, eleger o projeto social-democrata petista através da eleição de Haddad ou por meio do nacional desenvolvimentismo de Ciro, apenas prolonga e aprofunda a crise que alimenta esta nova onda conservadora e o fascismo.

Para compreender melhor a relação entre a social-democracia e o crescimento do fascismo é preciso entender melhor a própria social-democracia. Sua origem e sua natureza social. Este será o objetivo da terceira parte desta série de artigos.



[1]BBC Brasil:O ressurgimento da Ku Klux Klan no ano de seu 150º aniversário (clique aqui).
[2]Carta Maior: Para Mészáros, capitalismo vive uma crise estrutural profunda (clique aqui).
[3]Opera Mundi: A Eurásia renasce - e quer ser alternativa (clique aqui); Folha de São Paulo: China anuncia retaliação com sobretaxa a mais de 5.000 produtos dos EUA (clique aqui).