A social-democracia
por Riviano e José Barata
as opiniões deste texto são de responsabilidade dos autores
O ditado popular “lobo
em pele de cordeiro” é mundialmente conhecido e mundialmente negligenciado.
Provavelmente, quando pensamos nesse ditado, nos vem a mente um lobo toscamente
coberto por uma couraça de lã. Obviamente disfarçado. Esta cena, certamente,
nos faria até rir da burrice dos cordeiros, ingenuamente incapazes de enxergar
o óbvio. Porém, este raciocínio nos faz subestimar a capacidade dos lobos de
encontrarem bons estilistas. Seria possível produzir uma pele de cordeiro quase
tão perfeita que até um especialista teria dificuldade em distinguir o falso do
verdadeiro? Ora, se a sobrevivência dos lobos dependesse de uma boa costura,
podem ter certeza que teriam as melhores grifes.
Certamente existem
diversas coisas no mundo que são óbvias. A estupidez de Bolsonaro seguramente é
uma delas. A razão dele conseguir tantos apoiadores, por outro lado, não é.
Precisamos desenvolver algum senso de questionamento das coisas que parecem
óbvias. Vivemos em uma sociedade baseada na exploração, na qual poucos
indivíduos vivem cercados por privilégios inimagináveis para uma maioria que
possui poucos privilégios ou privilégio algum. Decerto, os mecanismos que
sustentam estes privilégios não podem ser óbvios, se assim fossem, uma
sociedade tão desigual não seria sustentável. As pessoas não são vítimas de
exploração por serem burras como nossos cordeiros, mas porque, dentre outras
coisas, a estrutura social possui mecanismos refinados de mistificação. Estes
mecanismos são tão profundos que até os indivíduos mais inteligentes se deixam
levar por falsos caminhos. Inclusive, os indivíduos mais privilegiados são
aqueles mais profundamente alienados das contradições sociais, pois são os
maiores ameaçados por uma possível quebra desses privilégios. É decisivo que
neguem, a todo custo, a necessidade mais geral da humanidade que as coisas
mudem radicalmente.
A burguesia fará de
tudo para não perder o menor dos privilégios. Porém, não podem fazer isso
sozinhos, pois a classe trabalhadora está sempre desconfiada daqueles que
possuem privilégios. A melhor forma de você fazer alguém tomar uma decisão que
lhe favoreça é convencer essa pessoa que ela tomou a decisão por conta própria.
A melhor forma de convencer os eleitores a votar em um candidato é convencê-los
de que este político é um dos seus ou representa seus interesses. Isso, em
grande parte, explica o fenômeno Lula. Um candidato simplesmente tão imbatível
que até da cadeia alimenta o imaginário dos brasileiros. Uma personalidade tão
impressionante que nem os maiores indícios de seu envolvimento com escândalos
de corrupção pôde convencer seus seguidores mais fiéis à abandoná-lo.
Lula e o PT fazem parte
de um campo político indispensável para o sistema capitalista, a social-democracia.
Os social-democratas nasceram da fração reformista da classe trabalhadora e
hoje se transformaram em uma espécie de elite burocrática, que faz o meio de
campo entre a burguesia e o proletariado. As grandes lutas políticas entre
burgueses e proletários se consolidaram na Europa, berço do capitalismo, logo
após a derrota definitiva do Antigo Regime e da destruição das relações
feudais. Isso se deu por volta de 1848. Nesta época ainda havia um pouco da chama
revolucionária acesa em 1789 pela Revolução Francesa. Os trabalhadores que
combateram ao lado da burguesia contra a nobreza não colheram os benefícios da
batalha. Permaneceram em luta enquanto a burguesia se tornava cada vez mais
conservadora.
No campo proletário
haviam duas grandes tendências. Uma delas era a tendência revolucionária. Acreditavam na necessidade de uma nova revolução e
no rompimento radical com a burguesia. A outra tendência era a reformista. Acreditavam no
aperfeiçoamento da sociedade recém criada através de reformas políticas, logo
apoiavam o desenvolvimento do capitalismo em aliança com a burguesia. Sua
principal bandeira política é a luta por direitos. Tais direitos, por sua vez,
são conquistados por dentro do Estado, ou seja, em um consenso com as frações
hegemônicas da burguesia. Foi desta tendência reformista do proletariado que
surgiu a social-democracia. Tornou-se uma força política importantíssima tanto
para convencer a classe trabalhadora a desistir de qualquer projeto
revolucionário, quanto para convencer a burguesia a conceder direitos aos
trabalhadores com o objetivo de evitar qualquer revolução. Percebendo a
importância da social-democracia, a burguesia de vários países aceitou-a
enquanto sua porta-voz frente à classe trabalhadora[1].
A principal base de
apoio social-democrata é o sindicalismo. Diferente do passado, hoje os
sindicatos são máquinas burocráticas, responsáveis por controlar as lutas da
classe trabalhadora. Eles direcionam as decisões políticas e, acima de tudo, mantêm
as assembléias gerais na palma da mão. São verdadeiros políticos profissionais.
Cristalizaram-se enquanto uma casta que domina a cena política. São os
primeiros a sabotar as greves que tentam transferir o controle do movimento da
direção sindical para as assembléias gerais. São aqueles que sentam nas mesas
de negociação para fechar os acordos que sejam convenientes ao patronato. Por
fim, são responsáveis por impedir que a classe trabalhadora aprenda na prática
como conduzir suas lutas de maneira independente, sem a tutela de seus mestres
sindicalistas.
Os vários anos de hegemonia
petista nas lutas sindicais, e mais tarde no governo federal, produziram toda uma
geração de trabalhadoras e trabalhadores que são incapazes de conduzir suas
próprias lutas. Muitas vezes não sabem sequer o básico da luta política como,
por exemplo, conduzir uma assembléia sem a ajuda dos burocratas sindicais. Este
processo de educação apenas pode se concretizar no cotidiano da luta política
ao longo dos anos. Porém, a classe trabalhadora sequer sabe que possui esse
poder. Está paralisada pela ilusão de que precisa da supervisão de representantes
políticos.
Infelizmente, assim
como para a burguesia, não interessa aos sindicalistas superar a relação de
exploração que existe na base econômica da sociedade, pois eles também colhem
seus privilégios. A carreira de sindicalista pode ser o caminho mais rápido
para um trabalhador carreirista alcançar a ascensão social. Basta observar como
sindicalistas utilizaram sua influência como trampolim político para se
tornarem deputados, governadores e até Presidente da República. Tais cargos os
tornam pessoas ricas, deixando de pertencer a sua classe social de origem. São
capachos vendidos, traidores da classe trabalhadora.
Por fim, a social-democracia
é o principal obstáculo para que a classe trabalhadora desenvolva uma
consciência de classe sólida e se eduque para reagir aos avanços conservadores
e a uma possível guinada em direção ao fascismo, diante da crise que
enfrentamos[2].
No Brasil, essa social-democracia pode ser identificada em um amplo espectro
que vai desde a direita com o PSDB, passando pelo PDT mais ao centro, pelo PT na
centro-esquerda e por um PSOL à esquerda. Nesta fronteira mais à esquerda,
seria possível colocar alguns partidos que misturam elementos social-democratas
com o trotskismo (PSTU) ou com o stalinismo (PCB e PCdoB), por exemplo. Por
mais diferentes que sejam suas concepções no interior da social-democracia, são
todos partidos reformistas, ou seja, são partidos da ordem. Participam das eleições para tentar se promover. Ainda que tragam em seus discursos demagógicos palavras como “revolução” e “socialismo”, nas
entrelinhas, todavia, é possível notar o desejo destes grupos por uma “revolução
socialista” no qual a classe trabalhadora seja uma mera seguidora cega da
direção do partido de vanguarda.
Não querem uma classe
trabalhadora que pense e lute por conta própria, mas que siga com disciplina a
orientação partidária. O mais curioso é que quando os trabalhadores não
obedecem, são acusados pelos social-democratas de serem apáticos, como, por exemplo,
quando a população não respondeu ao chamado para “lutar” contra o impeachment de Dilma. O PT não conseguia
explicar como os brasileiros estavam assistindo, quase sem reação, ao pacote de
reformas anunciadas pelo governo Temer. Lamentam-se de um problema do qual eles
são responsáveis. A classe trabalhadora desaprendeu a lutar por contra própria.
Ao mesmo tempo, está desiludida com a direção petista. A paralisia é a reação
mais natural de quem não sabe o que fazer.
Apenas a luta revolucionária
da classe trabalhadora, organizada de maneira autônoma frente aos partidos e
sindicatos, pode conter o avanço conservador. Quanto mais adiam essa luta, mais
forte se tornam as forças conservadoras. O caminho das eleições certamente não
é a solução. Honestamente, o cenário eleitoral nos impõe a escolha entre os cínicos
e os escrotos. Difícil saber o que é pior. De qualquer forma, quem quer que
assuma o governo da república muito provavelmente enfrentará um problema grave,
caso a crise econômica se aprofunde ainda mais. No caso de uma vitória de
Haddad ou Ciro, a social-democracia irá se desmoralizar ainda mais, fazendo com
que Bolsonaro possivelmente retorne ainda mais forte nas próximas eleições.
Se toda essa
argumentação não foi suficiente para convencê-lo que existe uma relação entre o
adestramento da classe trabalhadora e o avanço do fascismo, então precisamos
olhar de perto um exemplo histórico clássico, o caso da Alemanha. Este país foi
dominado pelos nazistas 15 anos depois do proletariado alemão se levantar em
uma revolução entre 1918 e 1919. Como um proletariado revolucionário caiu nas
mãos do fascismo em tão pouco tempo? No meio do caminho havia a social-democracia
alemã. Vamos conhecer essa história na quarta parte desta série de artigos.
[1] Arquivo Marxista na Internet: Marx – O
18 de Brumário de Luís Bonaparte (clique
aqui); Instituto Lukács: Bruno
Gonçalves da Paixão – A política em Marx (clique
aqui)
[2]Velha Toupeira: Grandizo Muñis - Os
sindicatos contra a revolução social (clique
aqui).